João Camargo
Após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter aprovado os pedidos de uso emergencial das vacinas CoronaVac e AstraZeneca no Brasil, no último domingo, 17 de janeiro, as imunizações começaram pelo país. Ribeirão Preto deu o pontapé inicial nas vacinações na terça-feira, 19 de janeiro, quando a técnica de enfermagem Maria Luci, de 44 anos, recebeu a primeira dose.
Na cerimônia que contou com a presença do governador de São Paulo, João Doria, outros três profissionais da saúde também foram vacinados. No entanto, a Prefeitura de Ribeirão Preto começou de fato o Plano Municipal de Imunização contra a covid-19, na quinta-feira, 21 de janeiro.
O processo de imunização que começaria no dia 25 de janeiro foi antecipado após a chegada de cerca de 12,3 mil doses da CoronaVac. Inicialmente, a vacinação teve foco nos profissionais de saúde e idosos atendidos por asilos. Este estoque recebido irá vacinar 12.360 pessoas, porém, outro lote já foi garantido pelo Estado e deve chegar a Ribeirão Preto para continuar este processo.
De acordo com informações da Prefeitura Municipal, os profissionais da saúde serão vacinados nos hospitais ou unidades de saúde em que trabalham e os demais profissionais da saúde, que não estão nos hospitais, serão vacinados nas salas de vacinação da rede pública de Saúde.
Já para a população geral, serão disponibilizados 41 postos de vacinação. São eles 35 salas de vacinas e seis postos volantes: NGA-59 (Núcleo de Gestão Assistencial), Drive thru (Estádio Santa Cruz – Estacionamento do Botafogo), Ribeirão Shopping, Shopping Santa Úrsula, Centro Social Urbano e Centro Médico.
No entanto, essa população depende de mais vacinas e o Instituto Butanta- encontra dificuldades em importar insumos da China.
Se houver vacina, serão mobilizados em Ribeirão Preto 606 profissionais da saúde para a execução do Plano de Imunização, dos quais 42 enfermeiros, 282 auxiliares de enfermagem e 282 agentes comunitários de saúde. Em dados apurados no dia 19 de janeiro, a Administração Municipal conta com cerca de 126 mil seringas e 150 mil agulhas em estoque e utilizadas nas rotinas de atendimentos aos munícipes. No entanto, já foi reservado um espaço na Central de Vacinas para receber 760 mil seringas e agulhas da Secretaria Estadual de Saúde.
Ordem de recebimento da vacina
– Profissionais da saúde dos setores público, privado e filantrópico (32.000 pessoas)
– Idosos com 75 anos ou mais (32.806 pessoas)
– Idosos entre 70 e 74 anos (21.269 pessoas)
– Idosos de 65 a 69 anos (28.663 pessoas)
– Idosos de 60 a 64 anos (35.537 pessoas)
Vacinação em clínicas particulares
De acordo com informações da Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCVAC), foi enviada uma comitiva até as instalações de um laboratório indiano para discutir as possibilidades de exportação da vacina Covaxi- para o Brasil.
O presidente da ABCVAC, Geraldo Barbosa, que esteve na Índia para abordar a exportação, informou que “findado o processo de registro definitivo da Covaxi- no Brasil, as clínicas particulares poderão adquirir doses para ofertar ao seu público”.
Ainda de acordo com a Associação, há uma resposta positiva do mercado corporativo que tem procurado a ABCVAC e as clínicas, para subsidiar a imunização de seus colaboradores. Além disso, ressalta que o que for adquirido não vai interferir nas negociações com o sistema público.
Os ensaios clínicos de Fase 3 da Covaxi- começaram em meados de novembro e estão, atualmente, em andamento em cerca de 26 mil voluntários em toda a Índia, sendo avaliada em aproximadamente mil indivíduos em ensaios clínicos nas Fases 1 e 2, com resultados promissores de segurança e resposta imunológica, que receberam aceitação por revistas científicas internacionais.
A ABCVAC reforça que a vacinação no mercado privado só pode acontecer por meio das clínicas regulamentadas, que são altamente qualificadas, especializadas e atendem a legislação sanitária para o correto armazenamento, transporte, aplicação e relacionamento com o ministério da saúde, que inclui o acompanhamento de eventuais efeitos adversos e notificação de doses aplicadas.
Especialista tira dúvidas sobre a vacinação
Diante do cenário de início das vacinações na população de todo o Brasil, algumas dúvidas podem acabar surgindo. Por conta disso, a farmacêutica, bioquímica e docente do Centro Universitário Barão de Mauá, Dra. Vanessa Leiria Campo, respondeu alguns questionamentos sobre o assunto.
Vanessa deixa claro de antemão que todos os resultados demonstrados até o momento relativos às vacinas de maior iminência de aplicação no Brasil, confirmam a segurança e eficácia destas.
“O resultado de 50,38% de eficácia global para a vacina CoronaVac não a coloca em patamar inferior às demais (Oxford e Pfizer). Alguns parâmetros de testes clínicos de Fase 3 foram distintos para estas vacinas, tendo sido a CoronaVac testada prevalentemente em profissionais da saúde (altamente expostos ao vírus), o que torna o resultado de eficácia para esta vacina bastante significativo”, comentou.
Vanessa ressaltou ainda que toda a população deve estar consciente de que qualquer uma destas vacinas é confiável e que toda a população deve ser vacinada, de acordo com a ordem de prioridades. A partir disso, confira as respostas da docente.
No caso do Brasil e das vacinas que serão aqui aplicadas, é possível dizer quanto tempo a pessoa ficará imunizada?
Até o momento as vacinas com previsão de aplicação mais imediata no Brasil é a vacina da Universidade de Oxford/ Astrazeneca (ChAdOx1nCoV-19) e a vacina CoronaVac, produzida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. A vacina de Oxford deverá ser aplicada em 2 doses com um intervalo de 28 dias, e a CoronaVac também deverá ser aplicada em duas doses, com um intervalo de 21 dias. Uma boa vacina pode apresentar basicamente um destes três graus de proteção:
– Prevenindo totalmente a infecção pelo SARS-CoV-2, impedindo a entrada do vírus em nosso organismo, levando à chamada “imunidade esterilizante”;
– Não impedir a infecção ou não impedir a capacidade de transmitir o vírus para outras pessoas, mas impedir as pessoas infectadas de ficarem doentes. Neste caso, o vírus até consegue entrar no organismo, mas a vacina protegeria contra a manifestação dos sintomas;
– Não impedir nem a infecção pelo vírus e nem a Covid-19, mas impedir o desenvolvimento de um quadro mais grave da doença, evitando hospitalizações e mortes.
No momento, ainda não se sabe a duração da resposta do sistema imunológico após a imunização com as vacinas, mas de acordo com estudos recentes publicados (Science, 2021), as células de memória de defesa (células T) produzidas a partir da infecção pelo vírus SARS-CoV-2 permanecem no organismo por cerca de oito meses após a infecção. De fato, serão necessários estudos contínuos ao longo das imunizações para a compreensão da “memória imunológica” induzida pelas vacinas.
A possibilidade de reinfecção pelo vírus SARS-CoV-2 é um obstáculo para a eficácia da vacinação? Por quê?
Há cerca de 26 casos de reinfecções devidamente confirmadas em todo o mundo e mais de 570 casos suspeitos a partir de situações em que um doente infectado recuperou, fez um teste que deu negativo, mas algum tempo depois o teste voltou a dar um resultado positivo. De fato, a confirmação da reinfecção só é possível mediante o resultado de testes de sequenciamento do vírus.
Em se tratando de vacinação, a reinfecção pode até ser que ajude, porque dará uma espécie de reforço para a memória do sistema de defesa. Ela pode levar o corpo a produzir ainda mais anticorpos, seria como uma pequena dose imunizante, lembrando o sistema de defesa de que é preciso produzir anticorpos porque há vírus em circulação.
No entanto, se for uma variante diferente do vírus pode representar um obstáculo para a vacinação. Para efeitos de comparação, no caso da dengue há quatro sorotipos, quando alguém é infectado com um determinado sorotipo fica imune para toda a vida contra ele, mas quando é infectado por outro sorotipo diferente adoece de forma mais grave, o que torna um grande desafio conseguir uma vacina com eficácia contra os quatro sorotipos da dengue.
Assim, isto pode vir a acontecer para o vírus SARS-CoV-2: ao imunizar um indivíduo com uma vacina baseada em uma determinada variante do vírus, pode-se fazer com que o mesmo reaja de forma mais grave frente a uma infecção por uma variante distinta do vírus. Ainda não se sabe se isso poderá acontecer, mas caso se confirme, poderá ter implicações sérias a nível de vacinação.
Na sua opinião, poderemos passar por outras pandemias nos próximos anos? Por quê?
Sim, com certeza. As pandemias estão de certa forma relacionadas à destruição do meio ambiente. Vírus e outros microrganismos vivem na natureza; assim, quando acabamos com ela, diminuímos o espaço vital deles. Portanto, eles buscam alternativas para continuarem existindo. E por isso, saltam de um hospedeiro para outro. Não é à toa que tivemos gripe aviária, suína e outras.
Há um outro problema. “Não só estamos invadindo o espaço desses microrganismos, como, em contrapartida, estamos proporcionando, ao mesmo tempo, muitos outros lugares para eles, com a criação intensiva de gado, de porco, de frango, dando oportunidade deles aumentarem outros espaços para prosperar”.
De acordo com o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, que foi fundador e presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), haverá outros vírus ou microrganismos tentando colonizar o homem, nos usando como reservatório e produzindo doença, de forma que o mundo ainda enfrentará muitas pandemias. Assim, a pandemia de covid-19 está longe de ser a última do planeta.