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‘Corvão’, bamba da Pauliceia

Desde os tempos da adolescência, quando Geraldo Filme andava de calças curtas, ele era conhecido como “Corvão” nas rodas de samba do centro, do Largo da Banana e da Liberdade. Batuqueiro de primeira e grande compositor de sambas, suas músicas, além de entreter pelo balanço e pela melodia, tem letras com temáticas sociais de grande relevância, ora denunciando o preconceito racial, ora criticando as mazelas e os contrastes sociais que vivenciamos em nosso país até os dias de hoje.

Apesar de compor e participar do mundo do samba desde a década de 1940, Geraldo só começou a ser conhecido pelo grande público quando participou do Festival Abertura, da TV Globo, realizado em 1975, com a música “A Morte de Chico Preto”, interpretada por Clementina de Jesus, que foi para a finalíssima e a cantora ganhou o prêmio de melhor intérprete.

Além de compor sambas, Geraldo participou na década de 1960 como músico do Teatro Popular Brasileiro de Solano Trindade, que difundiu o folclore nacional pelo país. No início dos anos 1970, Geraldo estreou no teatro de Plínio Marcos, aos 43 anos de idade, no musical “Balbina de Iansã”, cuja trilha sonora era composta por vários sambas de sua autoria.

Outra grande contribuição do sambista foi o lançamento pela Eldorado do disco “O Canto dos Escravos”, gravado com Clementina de Jesus e Tia Doca, que foi muito elogiado pelos músicos e pesquisadores, além de ter entrado para a história como uma grande contribuição para a cultura afro-brasileira.

Geraldo foi o responsável pela união das escolas de samba de São Paulo, o que proporcionou o crescimento do carnaval paulistano. Participou primeiramente do cordão Paulistano da Glória, fundado por sua mãe, e peregrinou por várias agremiações carnavalescas da cidade. Foi integrante da Colorado do Brás, da Unidos da Peruche, da Paulistano da Glória (refundada como escola), da Camisa Verde e Branco e da Vai-Vai. Ele dizia não torcer por nenhuma escola, pois o que importava era o crescimento do carnaval paulistano, com a participação de todas as escolas de samba.

No ano de 1972, em pleno regime de ditadura militar, Geraldo foi preso ao compor para a Unidos do Peruche o samba-enredo “Heróis da Independência”, um samba lindo e de muita coragem, pois ele fazia uma crítica à situação política do país, dizendo assim: “sai do teu caminho, meu Brasil, alerta mocidade, para manter acesa a chama da nossa liberdade”.

Desde pequeno Geraldo escutava da sua avó materna as histórias das senzalas, da vida dos escravos, o que marcou profundamente a sua trajetória, o influenciou nas suas composições e o ensinou a prezar pela memória dos afrodescendentes no Brasil. Outra grande influência na sua vida artística foi o samba de Pirapora. Todo mês de agosto, Geraldo e Zeca da Casa Verde costumavam ir com suas mães, que eram amigas inseparáveis, às confraternizações de batuqueiros de Pirapora.

Dentre as suas composições mais famosas, podemos destacar os sambas “Tradição” e “Silêncio no Bexiga”. O primeiro é um samba de quadra, que foi apresentado pelo sambista na escola de samba Vai-Vai e se tornou um clássico da música paulista.

Veja os seguintes versos: “quem nunca viu o samba amanhecer, vai no Bexiga pra ver, vai no Bexiga pra ver. O samba não levanta mais poeira, asfalto hoje cobriu o nosso chão, lembrança eu tenho da Saracura, saudade eu tenho do nosso Cordão. Bexiga hoje é só arranha-céu, e já não se vê mais a luz da lua, mas o Vai-Vai está firme no pedaço, é tradição e o samba continua!”

O segundo samba foi uma homenagem ao diretor de bateria da Vai-Vai, “Pato N’água”, considerado um dos melhores do carnaval paulista, que foi assassinado, provavelmente por algum marido traído, pois o ritmista tinha muitas amantes casadas, e com certeza despertou a fúria de algum deles, que deu cabo de sua vida. Geraldo fez um samba emocionante em homenagem ao Pato N’água, que dizia assim: “silêncio, o sambista está dormindo, ele foi mais foi sorrindo, a notícia chegou quando anoiteceu. Escolas, eu peço um silêncio de um minuto, o Bexiga está de luto, o apito de Pato N’água emudeceu”.

Salve Geraldo Filme, o bamba da Pauliceia, que este ano completaria 90 anos.

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