Por Mariane Morisawa, especial para a AE
Nas últimas edições, o Festival de Veneza voltou a ganhar força na briga com Toronto para estrear os futuros vencedores do Oscar. Em 2018, Roma saiu com o Leão de Ouro e terminou com três estatuetas, inclusive direção. No ano anterior, A Forma da Água levou o Leão e depois quatro Oscars, inclusive filme e direção. Pois Veneza tem a chance de dominar novamente a conversa sobre a premiação mais importante do cinema americano ao dar o Leão de Ouro para Coringa, de Todd Phillips, uma decisão até surpreendente, mesmo com todo o barulho que o filme fez no festival. Primeiro porque, sendo um longa que se passa no universo de HQs da DC, não é o típico “filme de festival”, pelo menos não no caso dos três grandes, Berlim, Cannes e Veneza – Toronto sempre foi chegado a uma produção mais comercial. Segundo, porque o júri era presidido pela cineasta argentina Lucrecia Martel, que faz filmes bem distantes do cinema hollywoodiano.
E, a bem da verdade, nem a Academia de Hollywood costuma levar a sério as produções inspiradas nos universos da Marvel e da DC que têm dominado os cinemas, indicando-os apenas em categorias técnicas. Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), de Christopher Nolan, considerado um marco, não concorreu nem como melhor filme do ano, nem como direção. Apenas Heath Ledger levou o Oscar de ator coadjuvante, coincidentemente por sua interpretação do Coringa. Somente no ano passado um longa saído do universo das HQs competiu como melhor produção: Pantera Negra, de Ryan Coogler, que, independentemente da qualidade que possa ter, veio com uma importância cultural grande, com seu elenco majoritariamente negro.
Por derrubar tabus, a vitória põe Coringa como candidato sério para o Oscar, descolando-o das “produções de quadrinhos”. Até porque Coringa não é um filme derivado dos quadrinhos como os outros. O longa quase não tem ação e é um drama duro e triste sobre a transformação de um homem de classe social baixa, com problemas mentais e sonhos irrealizáveis em um assassino cruel, com uma das melhores atuações da carreira de Joaquin Phoenix. Levanta questões relevantes para a sociedade hoje.
Lucrecia Martel justificou a escolha na coletiva após a cerimônia de entrega do Leão de Ouro, no sábado. “É incrível que uma indústria cujo principal foco é o negócio tenha corrido tamanho risco com Coringa. Fazer para esse público um filme que é uma reflexão sobre os anti-heróis, mostrando que talvez o inimigo não seja o homem, mas o sistema, me parece bom para os Estados Unidos e para o mundo todo.”
Todd Phillips não quis “definir o filme”. “A visão de Lucrecia Martel está correta e compartilho dela. Fico feliz que as pessoas tenham entendido o que estávamos tentando fazer. Mas não quero delimitar as interpretações.”
Coringa ainda vai gerar muita discussão – algumas pessoas acusaram o filme de defender um “incel”, o jovem branco que não consegue lidar com suas frustrações e comete atos de violência. Mas, sem dúvida, são debates bem-vindos. A vitória em Veneza, com presença inclusive de Joaquin Phoenix, é um sinal de que a campanha pelo Oscar começou e bem.
Jagger
Depois de Brad Pitt, Meryl Streep, Catherine Deneuve e Johnny Depp, o 76.º Festival de Veneza terminou com um rock star. Mick Jagger, recuperadíssimo da cirurgia no coração em abril, apareceu no Lido para apresentar o filme de encerramento, The Burnt Orange Heresy, dirigido pelo italiano Giuseppe Capotondi e exibido fora de competição. “É o menor papel do filme, mas é importante, porque é o catalisador das ações do protagonista”, disse Jagger na coletiva de imprensa. “Atuar e fazer show são performances. Adorei estar no filme porque o roteiro era interessante, diferente e surpreendente.”
Jagger interpreta Joseph Cassidy, um colecionador de arte e galerista que faz uma proposta ao crítico James Figueras (Claes Bang, de The Square): que ele roube uma pintura do artista recluso Jerome Debney (Donald Sutherland) em troca de uma entrevista. Figueras vai até a propriedade de Cassidy no Lago de Como acompanhado da misteriosa Berenice (Elizabeth Debicki). “Ela tem uma pureza que achei bonita”, disse a atriz de Viúvas. “Tem uma voz interior, mas deixa de ouvi-la quando conhece James Acho que as mulheres vão entender isso.”
O filme é baseado no livro de Charles Willeford e é um noir um tanto desconstruído. “Gostei da história porque fala de verdade, que é uma questão séria hoje em dia”, disse Capotondi.
No encerramento do festival, um grupo de jovens tomou pacificamente o tapete vermelho para protestar contra a falta de ação contra a crise climática. Jagger apoiou a atitude. “Fico feliz que estejam fazendo isso. Eles que vão herdar o planeta. Estamos numa situação difícil no momento, especialmente nos EUA, onde todos os controles ambientais, que já não eram suficientes, foram retirados pela administração atual.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.