As fortes chuvas que atingiram Ribeirão Preto e outras cidades da região nas últimas semanas podem ter relação com os contrastes de temperaturas que ocorreram neste mês de outubro, de acordo com Marcelo Schneider, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Em entrevista ao Tribuna, Schneider comunicou que períodos de calor sucedidos pela rápida passagem de frentes frias – reinício do fenômeno La Niña, que esteve presente em parte de 2020 e retornou durante este mês de outubro – impactaram na época de transição entre os últimos meses. Além disso, o longo período de chuvas abaixo do normal dos últimos anos também é um dos fatores.
O meteorologista ressaltou ainda que uma pesquisa realizada com dados da estação meteorológica de Franca, do Inmet, no período de 1961 até 2021, entre os meses de outubro e março, indicou que já houve outros períodos de pouca chuva nos anos 60 e 70.
“Embora a abrangência da atual crise hídrica, na bacia do Rio Paraná especialmente, seja a mais intensa pelo menos desde o fim da década de 1960, quando se observam dados de índice de seca calculados pelo Inmet”, comunicou Schneider.
Apesar desses precedentes históricos, o meteorologista acredita que eventos climáticos extremos gerados a partir do aquecimento global podem ficar cada vez mais frequentes, segundo pesquisas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
No entanto, Marcelo Schneider disse que outros fatores também devem ser investigados. “Causas como desmatamento, mudança da cobertura do solo e a própria variabilidade natural do clima e o maior consumo de água em relação às décadas anteriores também devem ser avaliados”, completou.
Em relação às queimadas e aos desmatamentos, a engenheira ambiental Andrea Campaz Bombonato acredita que há, de fato, uma relação direta no regime de chuvas. Ela ressalta que isso ocorre por diversos fatores, entre eles a alteração da quantidade de vapor d’água liberado para a atmosfera e a emissão de carbono no processo de queima e do próprio solo desmatado.
De acordo com a engenheira, a umidade devolvida à atmosfera pela Floresta Amazônica, por exemplo, gera correntes aéreas que transportam chuva para o centro-sul do continente.
“São os famosos rios voadores. Diariamente, esses rios aéreos transportam cerca de 20 bilhões de toneladas de água. O desmatamento altera o sistema de circulação atmosférica e pode repercutir no regime de chuvas, dando origem a eventos extremos, como a diminuição das chuvas ou sua concentração em poucos dias. Essa concentração ocasiona eventos como estes que vêm acontecendo na região com longos períodos de seca seguido por tempestades”, completou Bombonato.
Ela ainda acrescenta que percebe um descaso em relação à preservação do meio ambiente. Segundo Bombonato, a preocupação com a produção econômica, o agronegócio e as grandes madeireiras são maiores do que com o uso sustentável dos ecossistemas.
“Se nada for feito para combater essas práticas, haverá um constante desequilíbrio ambiental com prejuízos à saúde humana, ao meio ambiente e, inclusive, à própria atividade econômica em si, uma vez que a agricultura sofrerá impactos diretos com as mudanças climáticas, mudanças no regime de chuvas e diminuição da biodiversidade”, disse.
Tempestade de poeira
No dia 26 de setembro, moradores de Ribeirão Preto e Franca relataram espanto nas redes sociais quando nuvens de poeira transformaram o dia em noite. A tempestade de areia passou ainda por outras 25 cidades da macrorregião, como Barretos, e também por locais como Presidente Prudente, Jales, Araçatuba e Triângulo Mineiro.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), naquela oportunidade, foram registrados ventos de 82,8 km/h na estação meteorológica automática de Pradópolis, perto das 15h, enquanto que informações da Infraero no aeroporto de Ribeirão Preto indicaram rajadas de vento de até 92,6 km/h.
Ainda segundo o Inmet, em Ribeirão o contraste térmico foi de 34°C para 21°C, queda de 13°C entre 15h e 16h.
O ClimaTempo informou que o fenômeno foi provocado pela frente de rajada, causada por uma instabilidade que se deslocava em direção à região. Na ocasião, a umidade relativa do ar ficou em apenas 19%. Para o meteorologista Marcelo Schneider, as tempestades de poeira foram resultado da formação de áreas de instabilidade e forte vento ocorrido a partir das correntes descendentes de ar frio gerados a partir da nuvem cumulonimbus.
“Quando a tempestade se organiza em forma de ‘frente ou linha de rajada’ ela arrasta a areia e poeira do solo em virtude do longo período de tempo seco sem chuvas, sobretudo na área do norte de SP divisa com MG e parte do MS, regiões com grande déficit hídrico e com um dos menores índices de chuva nos últimos meses no Brasil”, finalizou Schneider.
Impactos e soluções
Questionada sobre qual seria o impacto negativo dessas chuvas em centros urbanos, Andrea Campaz Bombonato comentou que junto dela também ocorrem alagamentos, queda de árvores, desabamentos, interdição de vias e inúmeros acidentes. Completou ainda dizendo que, além dos prejuízos ambientais causados pelo alto volume de chuva concentrado em poucos episódios, os prejuízos econômicos também são grandes, tanto pelo poder público quanto pelos próprios comerciantes.
“A emissão de gases e fumaça durante a queima contribui para o agravamento do tão falado aquecimento global e do efeito estufa. Esses gases e partículas desequilibram a temperatura do planeta, promovendo diversos efeitos negativos causados pelas mudanças climáticas”, disse Bombonato.
“A interrupção do desmatamento e das queimadas é essencial para mudar o cenário atual. Para isso, a conscientização da população é a melhor forma de atuação, uma vez que o consumo de carnes está diretamente relacionado ao aumento do desmatamento e das queimadas. A própria ONU em seu Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas sugere a redução do consumo de carnes e laticínios por meio de dietas com base em plantas para diminuir os impactos climáticos”, acrescentou a engenheira ambiental.
Além disso, Bombonato finaliza informando que o Brasil deveria investir mais em sistemas de monitoramento e fiscalização para aplicação das sanções legais aos responsáveis para coibir essas práticas.