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Conto “El guajhú”, de Gabriel Casaccia (Parte 3- Final)

Por todos os lados espalhava-se um silêncio luminoso e cálido. A airn a, os arbustos, as árvores, as montanhas, tudo havia ficado silencio­so, sonolento no calor da tarde. A paisagem inteira estava cochilando. To­más não sentiu o do sol, nem o fogo da areia sob seus pés, nem o cansaço da airn a, apenas um vazio e uma decadên­cia de espírito como se faltasse algo, algo que ele não podia airn as r; mas isso não o impediu de seguir em frente, com passos rápidos e febris, como se alguém o perseguisse. Suado e ofegante, chegou à cidade e foi direto para o arma­zém de Cardozo. Ali, serviu-se de um copo de guaripola e, aos poucos, foi tomando. À medida que os airn do álcool subiam à sua cabeça, ele absorvia uma ternura suave por Barcino, lamentando tê-lo deixado ali sozinho, exposto a morrer de sede ou fome, ou airn as mãos do primeiro ao descobri-lo. Afinal, Barcino não tinha feito mal a ele, apenas uivava e uivava. Sim, mas aquele uivo se estendeu por todas as áreas do campo, ensurdeceu-o e despertou, sobretu­do, a memória de seus pensamentos criminosos. E se ele tivesse parado de uivar?, pensou vagamente na névoa que envolvia seu cérebro. De repente, então, pegou o copo com força, bebeu o resto do conteúdo de um só gole e saiu com um gesto violento.

Pouco depois, Tomás voltou ao local onde amarrou Barcino; mas lá ele viu, com uma mistura de espanto e medo, que o cachorro havia desaparecido. Paralisado de medo, esticou a orelha e ouviu com atenção se vinha alguma coisa. Ainda demorou muito. Ele não ouviu nada, ape­nas parecia mais perto do silêncio. Sentiu-se sozinho, abandonado, sem ânimo. Uma forte sensação de ansiedade começou a apertar seu peito. Ele estava se afogando. Aquele emaranhado e confusão de folhas e galhos pa­recia mover-se, mover- se em sua direção. Então, com os olhos fechados, e as mãos estendidas para frente, ele rompeu o matagal denso. Quando saiu para a estrada, seu rosto e mãos estavam cobertos de arranhões. Sua camisa e calças, com grandes lágrimas. Respirou pesadamente e seu peito desceu e subiu várias vezes em amplo movimento. Mas ele não se curou daquela sufocação que nasceu de dentro e ali ficou. Então começou a gritar: Barcino! Gengibre!

O queixoso guajhu do cão respondeu como um eco. Então, alerta e imóvel, ele permaneceu no meio da estrada. Com o passar do tempo, seu desespero aumentou. Deu um grito prolongado de novo a Barcino e, ao ouvir seu próprio grito, ficou assustado, pois o ouviu como um uivo. Ele correu daqui para lá chamando-o, colocando as mãos em concha. E uivos vieram de todos os lugares. Estupefato, perdido de medo, enquanto atrás dele os uivos continuavam cada vez mais perto. Ao avistar as primeiras casas, porém, os uivos pararam, como por mágica, e, com uma certa tranquilidade, eles entraram na mente atormentada de Thomas. Naquela noite ele ficou para dormir na cidade, na casa de um amigo, não ousando ir para seu rancho.

Na manhã seguinte, Tomás levantou-se muito cedo, com a ideia de ir para sua fazenda, empacotar suas coisas e sair de Areguá. Apesar dos choques que experimentou, apesar do cansaço e da vontade de descansar com que se deitou na cama, teve um sono tão leve e tão cheio de pesade­los negros que, ao se levantar, sentiu-se mais cansado e fraco do que antes de deitar-se. Ele apareceu com o rosto abatido, com círculos profundos sob os olhos, e sentindo uma dor aguda nos ouvidos como resultado do uivo agudo que ouviu durante a noite. Houve um momento, em seu sono inquieto, em que acordou encharcado de suor, lutando contra o yaguá que, deitado sobre ele e batendo furiosamente, procurava cravar os dentes em sua garganta. Quando sentiu o rosto e a garganta e as mãos molhadas, assustou-se, pensando que era sangue. Mas ele logo percebeu que o que ele havia tomado por sangue era seu próprio suor. Tomás foi então para a fazenda. Estava preocupado com a ideia do que iria encontrar lá, e só com grande esforço de vontade pôde prosseguir. A cada momento ele parava com a intenção de se virar; mas ele foi encorajado a seguir. Uma curiosidade estranha para saber se ele conheceria Barcino.

E lá estava Barcino, sentado em seus quartos traseiros, em frente ao rancho, com seu olhar dócil para a estrada, como se o esperasse. Assim que sentiu seus passos, ele ergueu o focinho para o céu e começou a uivar com força. Tomás parou de repente com o rosto alterado de medo, lutando entre a vontade de fugir e de ficar, de enfrentar Barcino e seu próprio medo de uma vez por todas. De repente, um brilho iluminou seus olhos, era algo como uma compreensão da febre; e com os lábios fran­zidos, como se reunisse todas as suas forças, ele entrou no rancho. Pouco depois, saiu carregando uma corda e, aproximando-se com medo do cachorro, como se fosse pular em sua garganta, lembrando-se do pesadelo da noite, atirou a corda em volta do pescoço do cão. Barcino não resistiu, nem quando Tomás o arrastou até a margem do lago e o fez pular para dentro de um barco, o mesmo que em sua imaginação havia furado com uma verruma. Colocou o “remo largo” (14) e, entrando na água, sem arregaçar as calças, começou a empurrar o barco. Executou todos esses atos mecanicamente e, por um instante, aquele brilho febril que eles adquiriram subitamente desapareceu de seus olhos. Ele se movia como um sonâmbulo. Quando a quilha do barco se soltou do fundo de lama pegajosa, Tomas apoiou os braços na amurada e, com uma ligeira flexão, subiu para dentro. Ele se movia como um sonâmbulo.

Sentou-se, então, na popa, de onde começou a remar, jogando a pá, ora para a direita, ora para a esquerda. Barcino fora deitar-se na proa, de onde um olhar cheio de humilde docilidade se fixou em Tomas. Quem sabe o que teria passado pela alma de Tomas se naquele momento ele baixasse os olhos, encontrando a extraordinária expressão de ternura, de ser racional, que tirara o olhar do cachorro! Mas Tomas, seja por medo ou porque não desmaiou em suas intenções, manteve a cabeça erguida, o olhar fixo à sua frente. O sol estava nascendo no horizonte; e o lago, frio e azul escuro por toda parte, estava começando a se encher de grandes flashes de luz. Aos poucos, a luz que brilhava na frente de Tomás o deslumbrou, apagando o dar como antes. Com um gesto abrupto, aban­donando a força e a dureza de sua determinação, derreteram-se como cera mole, em meio àqueles raios de calor. A ideia de que poderia se ar­repender o assustou,

percebendo que assim tudo seria como antes. Com um gesto brusco, abandonando a pá, que caiu na água, aproximou-se do cão. O barco balançou e Tomas teve de se inclinar um pouco e rolar para o lado para não cair. De olhos fechados, tremendo, ele estendeu a mão para agarrar o cachorro, retirando-a ao seu toque, rapidamente, como se a tivesse colocado em uma brasa. E quando tocou aquele pelo áspero novamente, sua pele se arrepiou, e um tremor convulsivo agarrou todos os seus membros. Ele mal conseguiu empurrar Barcino ao mar. Então, ao ouvir o som da água recebendo o corpo do cachorro, uma nuvem passou por seus olhos e ele não sentiu mais nada.

Quando recobrou a consci­ência, ele se viu deitado no fundo do barco. Um filete de sangue, escorrendo de um ferimento feito na cabeça ao cair, estava averme­lhando a água que cobria o fundo do barco. Ele abriu os olhos; mas ele não moveu seus braços ou pernas. Nenhum ruído o atingiu. Um silên­cio profundo e majestoso se espalhou ao seu redor. Acima de sua cabeça, o azul do céu. Que imensa paz penetrou em seu espírito! Quanta alegria naquele descanso em meio à solidão! Ele sentiu aquele fio de sangue escorrendo pelo rosto e depois, em intervalos regulares, o som de uma gota caindo na água do barco. Quanto tempo duraria aquela doce letargia dos sentidos, aquela morte do pensamento, dos músculos? De repente, sua memória foi preenchida com clareza. Gengibre! A água! E enquanto os olhos de Tomas se estreitavam, como se a luz da memória fosse forte demais para ele, imagens comoventes chegavam a seus ouvidos de todos os lugares, como se todo o horizonte fosse um horizonte de uivos. Mas, surpreendentemente, Tomas desta vez não se preocupou.

LEGENDA: (14) Espadilla.

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