Não sigo nenhuma religião, apesar de ter sido educada em colégio de freiras. Ainda criança, comecei a ouvir e respeitar a doutrina espírita descrita pelo meu pai e, mais tarde, percebi que esse meu respeito se estende a todos os rituais que existem para exaltar o mundo não físico. Talvez por costume e tradição da sociedade que vivemos, desde que perdi meu filho, há nove anos, tenho participado de duas missas anualmente.
Uma para agradecer o nascimento dele e a outra para compreender sua morte. Vou sempre à mesma capela em que tive a oportunidade de fazer honrarias ao meu ser amado e reunir amigos para rezarmos por ele. No decorrer deste tempo, Padre Fernando tão atencioso e bondoso, pelo o que ouvi, desistiu do sacerdócio e, mesmo com o novo vigário, continuei a frequentar o local como se fosse uma homenagem ao que já vivi e me emocionei naqueles bancos.
Não que eu precise de um lugar específico para mostrar meu amor de mãe, pois a oração é um bastão valioso para atingir a alma e diariamente ocupa minhas noites antes de dormir. Mesmo assim, em fevereiro, mês que o Rodrigo nasceu, e em abril, mês em que ele se foi, vou nesta capela como se eu estivesse fazendo uma festa especial. Qual então foi a minha surpresa, nesse ano, ser vítima de constrangimento logo no começo da missa pelo próprio padre.
Ao ler seu nome como aniversariante, ele perguntou a todos onde estava o Rodrigo. Com a voz sufocada pelo inesperado chamamento e tentando falar alto para ser ouvida, expliquei que eu era a mãe e que meu filho estaria fazendo 29 anos, mas que tinha falecido. Frase real, porém difícil de ser dita. Em vez de escutar boas palavras da boca santa, recebi uma reprimenda em timbre severo na frente de todos os presentes porque não se comemora data de aniversário de quem já morreu. As palavras foram duras: “ele não está mais vivo!”.
Por instantes, era como se eu fosse a protagonista de um filme de terror. O rosto do padre ficou maior, sua voz tornou-se grossa e ele agora falava como se estivesse em close na filmagem de terceira categoria. O que eu posso fazer? Peço desculpas pela minha ignorância sobre o catolicismo? Saio correndo da igreja? Dou um grito de desespero para que a figura dele se afaste do meu rosto? Fiquei paralisada. Não ia conceder a ele sair do programa que prometi ao meu filho, mas não consegui controlar o choro. Chorei pelo momento, chorei pelo que passei há nove anos, chorei de saudade, chorei pela minha pequenez.
Passada a emoção, a razão começou a fazer equações lógicas. Eu estava errada! Estou sendo errada há nove anos quando procuro um local para esta festa espiritual. Como diz a canção, “a dor é minha, não é de mais ninguém”. Assim como o amor é meu, como a saudade é minha, não preciso comemorar em um ritual com pessoas que nem sabem quem é o Rodrigo. Não tive, em nenhum momento nesse tempo todo, a falta de esperança de reencontrar meu filho depois da minha morte e estar ao seu lado juntamente com outros amores da minha família que também já se foram. Essa é a minha crença e para tanto não preciso seguir nenhuma religião. E como eu disse ao meu filho durante 20 anos antes dele dormir: “que Deus te abençoe”. É isso que me importa.