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‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’

Vimos, nos últimos anos, o chefe da quadrilha e seus asseclas tripu­diarem sobre este versículo de João 8:32. Essa era parte da narrativa fre­quente do negacionismo de tudo, escudado em uma pretensa verdade de cunho religioso. E não foram poucos os evangélicos e outros desavisa­dos, religiosos ou não, que embarcaram nessa. Pois agora, o evangelista Lucas deu o troco: “Não há nada escondido que não venha a ser desco­berto, ou oculto que não venha a ser conhecido”. Foi extremamente feliz a denominação da última operação da Polícia Federal – “Lucas 12:2” – que joga no lixo da história, em definitivo, o ex-presidente e seu entorno.

O objetivo da operação foi desmontar uma organização crimino­sa que se articulou para usar a estrutura do Estado para desviar bens públicos e incorporá-los ao patrimônio pessoal dos mais chegados. A PF procurava outras coisas, mas achou essa preciosidade. No centro das suspeitas estão Jair Bolsonaro, seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, o general Mauro Lorena Cid, pai de Cid, o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, e outros aliados do chefe da quadrilha. A PF aponta diálogos que revelam que Bolsonaro receberia US$ 25 mil dos bens vendidos. Dentre eles um relógio Rolex de alto valor.

O Rolex chegou a ser vendido, mas foi alvo de uma operação dos envolvidos para ser comprado de volta em razão do temor de que o Tribunal de Contas da União (TCU) ordenasse a devolução — o que de fato aconteceu pouco depois. A venda dos objetos ocorreu nos Esta­dos Unidos, para onde Bolsonaro fugiu após perder as eleições no ano passado. Na sequência, em 8 de janeiro, bolsonaristas invadiram e de­predaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, em uma tentativa clara de golpe de Estado. 1.290 pessoas responderão por isso em julgamento pelo Supremo.

Como disse Paulo Moreira Leite em artigo no 247, “é preciso retomar o fio dos acontecimentos para compreender o abismo em que o bolsonarismo se encontra, num momento em que cresce a convicção de que o ‘Jair’ deve ser obrigado a pagar por seus crimes na cela de uma prisão”. Sem dúvida, o fio da História aponta para a prisão de Bolsonaro. Disposto a manter o silêncio cúmplice para proteger o núcleo político­-militar do chefe, o Tenente-coronel Mauro Cid consumiu quase quatro horas na CPI do Golpe escondendo-se de todas as questões que pudes­sem contribuir para o necessário esclarecimentos dos fatos.

A quebra de sigilos, sem dúvida, vai desvendar as relações íntimas entre as joias das arábias e a tentativa frustrada de golpe de 8 de janei­ro. A PF trilha essa direção. As investigações estão interligadas a uma série de ações realizadas desde o ano passado, que passa pela acusação, sem provas, de fraude no sistema eleitoral, realizada por Bolsonaro, pela decisão dele de fugir do país antes da posse de Lula, pelos atenta­dos de 8 de janeiro e pelas recentes revelações da venda de presentes para aumentar o patrimônio de pessoas envolvidas na gestão do país até o ano passado.

O advogado Berlinque Cantelmo, especialista em ciências criminais, destaca que os atentados foram inéditos no âmbito do direito penal e que se constata a existência de organização criminosa. “Os atos golpistas do dia 8 de janeiro são parte efetiva de um fragmento lamentável da história brasileira. Do ponto de vista criminal, algo sem precedentes. É por isso, que certamente, o patrono da ação penal, a PGR, irá, de certa forma, buscar que todos sejam condenados de acordo com as penas que lhes cabem de acordo com o concurso de crimes, concurso de pessoas e ob­viamente todo o arcabouço de organização criminosa que envolvem não só os atos executados, mas toda estrutura de mobilização, de mentoria individual, certamente serão alvos de avaliação”, diz.

Bolsonaro, sua familícia e seu aparato militar estão com dias contados. Isso não quer dizer que o bolsonarismo esteja prestes a desa­parecer. Estamos diante de uma extrema-direita ativamente presente em todo o mundo. É só perceber o resultado das recentes eleições pri­márias na Argentina e os retrocessos lamentáveis da democracia em Israel. De qualquer forma, as narrativas vão se sucedendo e cabe aos setores comprometidos com a ordem democrática, a vigilância cada vez maior em defesa da Verdade. Mesmo que João e Lucas nem sempre estejam do mesmo lado.

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