Por João Pedro Malar, estagiário sob supervisão de Charlise Morais
Nas últimas semanas quem usa as redes sociais, em especial o Twitter, Instagram e Tik Tok, provavelmente viu um dos vídeos da humorista Lorrane Silva, mais conhecida como Pequena Lô. A jovem, de 24 anos, já produz conteúdos de humor desde 2015, mas viu sua popularidade crescer recentemente, o que ela classifica como a realização de um “sonho”.
Mas quem é a Pequena Lô? Em entrevista para o Estadão, Lorrane comenta que desde cedo era vista como uma “pessoa rara”. A jovem, de Araxá, Minas Gerais, nasceu com membros curtos devido a uma síndrome que até hoje não foi identificada, mas está associada com a displasia óssea. Hoje, tem 1,3 m de altura.
“Já comecei o tratamento dias depois de nascer”, comenta ela. Lorrane andava normalmente até os 11 anos de idade, quando teve que passar por sua quinta cirurgia. Mas ela não conseguiu voltar a andar após o procedimento. Hoje, além das muletas, que aparecem em seus vídeos, ela também possui uma scooter para se locomover.
Lorrane afirma que sempre foi uma pessoa que gostava de fazer graça: “contava piada em churrasco de família, encenava, gostava desse lado do humor”. E foi por causa desse lado que ela começou a gravar vídeos para o seu canal no YouTube, em 2015. No começo ela falava sobre o preconceito que vivia por causa da sua síndrome, da sua vivência, mas destaca que sempre dizia tudo “com humor, para aliviar”. Depois do YouTube veio o Instagram, no qual seus vídeos fizeram sucesso e ela passou a gravar semanalmente.
Em 2016, Lorrane entrou para um grupo de dança, que combinava pessoas com e sem deficiência, e eles foram selecionados para participar da abertura das Paraolimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. “Eu era a única muletante, para mim isso foi muito legal também, deu uma visibilidade a mais”, lembra ela.
Foi no final de 2016 que a humorista decidiu dar uma pausa na produção de vídeos, mas por uma boa causa: começou uma graduação em psicologia. Lorrane se formou em 2019, e comenta que os estudos na área ajudaram ela a lidar melhor com todo o tipo de comentário que recebe, de elogios a ataques.
“Hoje em dia nem tanto, não recebo [comentários de] haters, comentários negativos, a maioria manda mensagens positivas, falando que alegrei o dia delas. Falam que sofrem de depressão, de bipolaridade, ansiedade e meus vídeos ajudam bastante. Isso é muito legal”, explica ela.
O retorno dela para as redes sociais começou em 2018, no Instagram, com ela mostrando mais o seu dia a dia. Hoje ela possui 400 mil seguidores na rede social, mas foi em meados de 2020 que ela viu seus vídeos viralizarem, em especial por causa do Tik Tok.
“Ainda estou um pouco anestesiada com o que está acontecendo porque era meu sonho, ser reconhecida, para levar também a representatividade para deficientes. Fiquei muito feliz dos vídeos estourarem”, comenta Lorrane.
Lorrane destaca que, além do Tik Tok, seu sucesso está ligado ao momento pelo qual as pessoas estão passando, com a pandemia do novo coronavírus, e que ela fica feliz de levar alegria para o público: “nesse momento de pandemia, acho que as pessoas estão procurando coisas pra se divertir”.
Ela explica que tenta fazer vídeos que gerem identificação com o público, independentemente do perfil. Ela também reprisa memes que estão em alta no Tik Tok, e coloca “meu jeito, com alterações, minhas caras e bocas. Eu gosto bastante de me expressar no vídeo”.
‘Usei o humor em torno da minha condição a meu favor’
Lorrane destaca que o humor foi importante para ela lidar com os desafios da sua vida. A origem, ela explica, está no exemplo do pai, que também gostava de fazer piadas. “Tem vários vídeos meus com dois, três anos em que eu gostava de aparecer, sempre gostei de fazer as pessoas ao meu redor rirem”, lembra ela.
Outro fator que ela destaca é que os pais nunca “me prenderam em casa, tiveram vergonha de me apresentar em público, eles me deixaram livre para fazer o que queria”. Ela comenta que não sofria muito bullying na escola, principalmente porque tinha muitos amigos e tentava não se abalar com comentários: “A pessoa quer te ver triste, se ela te vê de outra maneira, ela não entende. Eu expressava que estava nem aí se ela me chamasse de baixinha. Usei o humor em torno da minha condição a meu favor”.
Mas Lorrane destaca que ainda existe um grande preconceito em torno da sua deficiência, e muitas pessoas não percebem quando estão reproduzindo ideias preconceituosas. “Algumas pessoas têm receio de perguntar [da altura, condição, idade]. A galera confunde um pouco, de quem está rindo, acha que estão rindo pela minha muleta, não pelo humor que eu quero passar. Se eu estou postando um vídeo de humor, certamente é pra galera rir”, destaca.
Depois de alguns anos na internet, Lorrane destaca que notou uma evolução nos comentários em seus vídeos: “Em 2015 foi quando mais recebi ataques, insultos, pessoas rindo, criticando. Tenho até seguidores antigos que hoje me pedem desculpas pelas atitudes do passado, e eu acho isso muito legal. Não pensou antes de falar. A internet é assim, você está atrás do celular e fala o que quiser, não pensa que tem alguém por trás da tela”.
Hoje, Lorrane explica que não recebe mais esses comentários negativos, e é vista como uma humorista, não como uma “cadeirante, muletante, baixinha”. Ela também comenta que notou um aumento maior da diversidade na internet, com uma presença maior de pessoas com deficiência: “esse leque da inclusão melhorou muito”.
Para ela, essa mudança é importante pensando em uma maior representatividade. “É muito para mim importante estar levando, apesar das nossas limitações. Muita gente [que possui deficiência] ainda tem esse tabu de sair até mesmo de casa por conta do que as pessoas vão falar, achar”, comenta Lorrane.
A humorista destaca que quando uma pessoa com deficiência sai nas ruas, ela recebe vários olhares: “de dó, curiosidade, para zoar”. “Tem pessoas que não tem essa saúde mental para se deparar com isso tudo. Eu sempre saí, sempre gostei de festa, nunca tive esse problema de sair de casa, meus pais também tiveram um papel nisso”, lembra ela.
Lorrane acha importante que os pais não tentem manter os filhos fechados em casa, mas considera que isso envolve um “medo”, e o pensamento de que, assim, a criança ficaria segura.
“Eu quero mostrar, por essa representatividade, que apesar das limitações podemos ser o que a gente é, mostrar o que a gente é, fazer o que a gente quer, alcançar os nossos sonhos. As limitações, os problemas, a gente sempre vai ter, mas vai da pessoa se quer seguir em frente ou deixar esses problemas derrubaram ela”, comenta a humorista.
Já sobre os planos para o futuro, Lorrane afirma que quer continuar a colocar um sorriso no rosto das pessoas, e que tem “muita vontade de ser atriz”. “Gosto disso de atuar. Quero aprofundar após a pandemia. Ser apresentadora, fazer novela, e em algo que envolve humor, porque é um nicho que eu gosto muito”, diz a Pequena Lô.