Professor Lages – Por que foram declarados tombados pela municipalidade, em 28 de janeiro, de 2004, remanescentes do antigo prédio da Cerâmica São Luiz, três chaminés, um forno industrial, o pórtico de entrada, a rua interna de entrada, a rua interna com calçamento em paralelepípedos e o conjunto de prédios formado pela antiga casa do caseiro e galpão contíguo e as árvores existentes no entorno?
Renato Vital – O tombamento pode ser requerido por qualquer cidadão. Porém, ele só se efetiva a partir de uma análise do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto (Conppac, municipal), Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Comndephaat, estadual) ou Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan, federal) que avalia a importância histórica e a relação afetiva da comunidade com o objeto do tombamento.
Justamente por atender a esses requisitos, os remanescentes da Cerâmica São Luiz foram tombados na esfera municipal, ou seja, pelo Comppac. A cerâmica representa uma grande mudança na economia de Ribeirão Preto. Se até a década de 1930 ela era movida pelo café, a partir de 1940 ela passou a ser movida pelas indústrias. Outros prédios que representam bem essa fase da cidade são a fábrica da Antárctica e a Cianê.
Foi em 1948 que a Cerâmica São Luiz foi inaugurada e até a década de 1990 produziu telhas e tijolos que construíram boa parte do início da urbanização de Ribeirão Preto. Se você olhar as telhas das casas mais antigas de bairros como Campos Elíseos, Vila Tibério ou Ipiranga, certamente encontrará algumas com a marca da Cerâmica São Luiz.
Professor Lages – Quais foram as obrigações determinadas pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que garantiu a preservação daqueles bens remanescentes da antiga Cerâmica São Luiz?
Renato Vital – Por demolir a Cerâmica São Luiz, a construtora foi obrigada à adquirir, reformar e doar o prédio da UGT para que a Associação Pau Brasil desenvolvesse ali o projeto do Memorial da Classe Operária. Além disso, foi obrigada a reformar os remanescentes da Cerâmica São Luiz e ceder em comodato, por 100 anos, à VivaCidade para que desenvolvesse o Centro de Documentação e Educação Patrimonial (Cedep).
Professor Lages – Você participa pela segunda vez da diretoria que assumiu a gestão da ONG VivaCidade, responsável pela preservação e utilização desses bens tombados que hoje já constituem o Centro Cultural Cerâmica São Luiz. Em que condições você e os demais diretores assumiram pela primeira vez a gestão desse espaço?
Renato Vital – O cenário era de estrangulamento da instituição pelo hipermercado. Apesar de terem que cumprir o TAC, ou seja, ceder totalmente os direitos de uso dos remanescentes da cerâmica para que a VivaCidade desenvolva seu trabalho, o hipermercado restringe e controla os horários de acesso ao centro cultural.
Inclusive, eles mantém um cadeado no portão de entrada da sede da VivaCidade, obrigando usuários e público do espaço à entrarem pela cancela do hipermercado. Por outro lado, vivemos um momento de grande produção, articulação e inteligência no cenário cultural de Ribeirão Preto. Graças a isso, foi possível fazer frente às imposições do hipermercado e acelerar o desenvolvimento do Centro Cultural Cerâmica São Luiz a partir da aglutinação de diversos grupos ao entorno do espaço.
Professor Lages – Que atividades culturais vêm sendo desenvolvidas pelo VivaCidade nesse espaço?
Renato Vital – Bom, a obrigação da VivaCidade, para ter direito de uso da Cerâmica São Luiz, é desenvolver o Centro de Documentação e Educação Patrimonial. Para isso, o Centro Cultural Cerâmica São Luiz oferece acesso à biblioteca, discoteca (acervo de discos de vinil), arquivo histórico, além de ações de valorização de manifestações e patrimônios culturais como eventos e o acolhimento de mais de 15 grupos artísticos que são sediados no espaço.
Outro projeto é a série “Se Esse Patrimônio Fosse Meu”, desenvolvida por estagiárias das áreas de arquitetura, história e audiovisual, que produzem vídeo-reportagens sobre patrimônios históricos de Ribeirão Preto. Por sua localização, história e capacidade física, hoje o Centro Cultural Cerâmica São Luiz é uma fábrica de restauro e preservação do patrimônio cultural de Ribeirão Preto, garantindo ainda acesso gratuito ao público à quase todas as suas atividades.
Professor Lages – Além do VivaCidade, que outros grupos vêm ocupando e desenvolvendo suas atividades no espaço?
Renato Vital – Temos grupos de cultura afrodescendente que desenvolvem atividades como aulas de capoeira, percussão e samba de coco. Há também grupos ligados ao teatro, que criam, ensaiam e apresentam seus espetáculos no espaço, além de oferecerem um curso de teatro. Há grupos que desenvolvem atividades nas áreas de economia solidária, meio ambiente e direitos humanos. E, além dos grupos que produzem, temos o grupo de pesquisadores e estagiários nas áreas de patrimônio, história e arquitetura. São mais de 15 grupos que desenvolvem suas atividades diárias na cerâmica e, em contrapartida, são voluntários na gestão e manutenção do centro cultural.
Professor Lages – Recentemente, a ONG VivaCidade teve aprovado o projeto “Ocupar é Preservar” no Programa de Ação Cultural (ProAC) de São Paulo. Quais são os objetivos deste projeto? Que atividades serão desenvolvidas a partir desse projeto e quais já foram desenvolvidas até agora?
Renato Vital – Com o projeto “Ocupar É Preservar” – 14 anos de Centro Cultural Cerâmica São Luiz – somos um dos seis Territórios das Artes II do Estado de São Paulo. O projeto traz recursos para manutenção e estruturação do centro cultural, bem como uma programação anual com oficinas e eventos culturais. Dentro do projeto já tivemos a Cerâmica Literária e a Feira Popular de Dia das Mães, no próximo mês teremos a Festa das Culturas Tradicionais com Festa Junina e o Ginga Cerâmica, dedicado à cultura afrodescendente.
Em julho teremos a Cerâmica Mostra Teatro, em agosto o festival de arte feminina Mulheres à Mostra e, em setembro a Semana Municipal do Patrimônio Cultural. Em agosto também serão realizadas ações em comemoração ao Dia Nacional do Patrimônio Histórico com atividades na Estação Barracão, Cemitério da Saudade e praça Coração de Maria, espaços históricos que compõem os bairros vizinhos da cerâmica (Ipiranga, Campos Elíseos e Vila Tibério).
Professor Lages – Podemos dizer que a ONG VivaCidade e o Centro Cultural Cerâmica São Luiz já criaram um público cativo que frequenta e utiliza este espaço cultural? Que público é este?
Renato Vital – Temos um público cativo, sim. Atendemos a toda a cadeia produtiva da área da cultura, com artistas, produtores e agentes desenvolvendo e participando de atividades no espaço. Também focamos no atendimento à comunidade do entorno do centro cultural, sendo moradores dos bairros Ipiranga, Campos Elíseos e Vila Tibério, bem como os trabalhadores do hipermercado.
A intenção é atender à todo e qualquer cidadão, por isso todos estão convidados a nos visitar. Não é difícil recebermos visitas de ex-funcionários da cerâmica que relembram histórias logo ao entrarem lá, e é incrível perceber a relação de afeto da população com o espaço. Aliás, este é outro trabalho que desenvolvemos, que é registrar essas histórias. Por isso, caso algum leitor tenha histórias da cerâmica e de Ribeirão para nos contar, venha nos visitar! Nosso e-mail é [email protected]