O festejado processualista italiano Francesco Carnelutti, no seu livro “Como se faz um Processo”, destaca que a relação jurídica surge ou da concórdia ou da discórdia. O casamento nasce com a concórdia e o divórcio com a discórdia. Quase sempre o processo civil como o penal nascem da discórdia, sempre em busca de uma concórdia muitas vezes inalcançável.
O grande mestre registra que o vocábulo “concórdia” vem da Roma antiga e de sua língua, o latim. Naqueles antigos tempos os romanos acreditavam que a memória dos homens estava depositada nos seus corações. No latim a palavra coração era “cor”, daí nascendo muitas palavras em português como, por exemplo, “cordial”.
Portanto se duas ou mais pessoas ou grupo de pessoas estabeleciam amistosamente uma relação jurídica, estavam “concordes”, ou seja, unidos pelo coração. Se discordantes podiam ou não gerar um processo civil ou penal.
Por sua vez, o processo, conforme sua raiz latina referia-se a andar em passos lentos, em busca de restaurar o passado histórico projetando a intenção de encontrar uma paz, muitas vezes eternamente oculta.
A raiz latina, muito rica, gerou também em português a palavra “decorar”. Para os romanos, decorar era guardar alguma coisa no coração, até então a suposta matriz da memória.
Se fosse possível caminhar por estas veredas, seria importante anotar que desde aquela época, Roma era uma cidade consideravelmente calorenta. E não havia aparelho de ar-condicionado! As mulheres, em sua substituição costuravam cortinas para proibir a entrada de ar quente nas casas.
Quanto mais pregas, mais agradável era o ambiente, no entanto, mais escuro ficava o cômodo da casa. A nossa palavra “prega” no latim era “plica”.
Nos dias de hoje, algo confuso e de pouco entendimento é conhecido como “complicado”, ou seja, muito obscuro por tantas plicas. Nos livros de Medicina ainda se depara com a palavra plica sendo usada como “prega”.
Mas é possível caminhar além. No latim há um adjetivo usado para significar tudo: “omnes”. Encontrei uma loja que se chamava “Omni”, ou seja, “de tudo”. Se o romano estendesse o vocábulo para o plural para dizer “para todos”, pronunciaria “omnibus”, que nos nossos tempos perdeu um vocábulo e passou a ser ônibus, o veículo que transporta todos.
As palavras femininas eram reunidas na primeira declinação, como “Rosa”. Se era bonita, dizia-se “Rosa est pulchra”. Se a casa era da Rosa dizia-se “domus est Rosae”. Conheci outra loja que fora batizada como “Rosa Rosarum”, ou seja, “A Rosa das Rosas”.
Estive num aniversário em que foi cantado o “parabéns pra você”, música, ao que sei, norte-americana, portanto, sem raiz latina. Disse aos presentes que o grande músico brasileiro Vila Lobos acompanhado pelo poeta Manuel Bandeira compuseram uma música para essas festas: “parabéns pra você, parabéns, muitas felicidades, muitos anos de vida também, e, toda a nossa amizade”. Os presentes ficaram espantados.
Os dois grandes esquecidos brasileiros compuseram também uma música para o fim do ano: “feliz anos novo, minha gente, olhemos sem medo para a vida, vamos cantar alegremente que a estrada que se abre é bonita, sonho de um mundo de paz”.
É estranho que estejamos nos afastando da nossa ascendência latina, encurtando a nossa linguagem ou transformando-a numa mistura ininteligível de palavras.
Se a nossa linguagem estiver realmente sendo substituída, estaremos, com certeza, perdendo as nossas características. Ou seja, perdendo o nosso caráter.