O Ministro Flávio Bierrenbach entrou na casa dos 80, repleta de marcas digitais de sua caminhada profícua, que continua.
Seu discurso de agradecimento à homenagem de parentes e amigos foi concluído com uma frase inquietante – que nos serve de advertência e de guia, para retornar capturando, como um garimpeiro, tais marcas digitais, para revelar sua caminhada, como caminhante.
Ele disse – “Quando a democracia vai embora, ela não costuma dizer adeus”.
Ele talvez se pergunte do que valeu a esperança de assumir o Brasil como hipótese de trabalho, desde a juventude universitária, ele, que até foi vitima da violência pré-golpista de 1964.
Não lhe faltou curiosidade, estudo de história e geografia, para compreender o Brasil, no conserto das nações, na crença do multilateralismo, da solidariedade entre as pessoas e as nações, quando o Brasil atual, há meses, governamentalmente, quer estilhaçar instituições nacionais e internacionais.
A frase do adeus democrático serve de advertência pelo que vagarosamente está sendo destruído no país, desde o 1º de janeiro da posse presidencial.
Na democracia sonhada, como estudante até como Ministro, impossível adivinhar o fogaréu incentivado da Amazônia, ele que há anos, defendeu a necessidade de uma esquadrilha de aviões para combater incêndios florestais.
Não corresponde à melancolia do adeus, ver as praias da costa brasileira serem invadidas por petróleo anônimo e submerso, com o desmonte antecipado dos Conselhos de Prevenção de Desastres Ambientais, e a ação imediata e urgente, preterida para dar lugar à comodidade de acusações levianas.
A tristeza do adeus, construída com o discurso do ódio, jamais dantes conhecido com a franqueza e a publicidade de hoje, e que vitupera contra os Poderes da República, no âmbito nacional, e ainda tem a língua esticada contra instituições e pessoas e partidos locais, e ainda se dá ao luxo da irresponsabilidade, quando invade terras internacionais, para agredir governos próximos e remotos.
A tristeza do adeus contrapõe-se à coragem ética e moral do advogado de presos políticos, ao vereador defensor de direitos humanos, à do deputado federal, relator da proposta da Constituinte, apresentando a relevância de ser ela livre e autônoma, desligada dos interesses imediatos dos legisladores ordinários. Se lhe cortaram a função, não destruíram o relatório que está pregado na parede da história parlamentar e constitucional do Brasil, e que até lhe inspirou o livro Quem tem medo da Constituinte?
Se a tristeza de um adeus antecipa, ou teme ou adverte algo semelhante à brutalidade institucional de 1964, é salutar que a lição da história seja repetida, porque é a esperança que, como um dedo em riste, previne os aprendizes de algozes da democracia, avisando-lhes que a história só acaba, quando o sol envelhecer.
E o Tribunal Penal Internacional está consolidado para fazer justiça aos assassinos dela. Para Augusto Pinochet bastou um juiz independente e honesto.