Nápoles, Itália – Acima da multidão que se empurrava pela Via dei Tribunali, essa rua tradicionalmente conhecida pelas pizzarias na cidade louca por pizzas, Antonio Borrelli debruçou-se sobre os limões de mentira da “Varanda da Canção”, da Antica Pizzeria Gino Sorbillo, e decidiu cantar outra música.
“A pizza!”, gritou a multidão em protesto.
“A pizza. Ok, ok, ok. Só um segundo”, disse a cantor local Borrelli no dia 8 de dezembro, enquanto mudava a faixa no aparelho de som, pegava o microfone e, com a introdução “todo mundo, vamos lá de novo”, cantou: “Mas você queria a pizza. A pizza. A pizza. Com molho de tomate. Com molho de tomate”.
A multidão encantada acompanhou Borrelli no dialeto napolitano, e depois foi à loucora quando ele apontou o pizzaiolo celebridade Gino Sorbillo, que acabara de sair da pizzaria e estava na rua.
Nápoles estava no auge da festa da pizza, que toma conta da cidade.
Chegou de longe, da ilha sul-coreana de Jeju, a notícia de que o Comitê da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) para Salvaguardar o Patrimônio Cultural Imaterial colocou cerca de 3 mil pizzaiolos, ou pizzaiuoli, de Nápoles na sua Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (“A arte dos pizzaiolos napolitanos é Patrimônio Intangível da Humanidade”, tuitou o ministro italiano da Cultura, Dario Franceschini).
Havia 32 outros vencedores intangíveis da lista tangível, incluindo o Chogan, jogo de equitação iraniano acompanhado de música e contação de histórias, e a gaita irlandesa, mas os pizzaiuoli de Nápoles provaram ser habilidosos tanto na arte da autopromoção quanto no preparo da massa.
“Finalmente, o mundo reconhece a capacidade do pizzaiolo. Fazemos um produto que conquistou o mundo”, disse Sorbillo, de 43 anos.
Sorbillo tem seu próprio império em expansão, e abriu uma filial de sua famosa pizzaria em novembro na Bowery Street, em Nova York, onde entre os entusiastas estão, entre outros, o prefeito Bill de Blasio. (“Ele comeu com a mão. Cortei a pizza para ele”, disse Sorbillo.)
Usando um avental de alta costura, o pizzaiolo provocou um frenesi do lado de fora do restaurante enquanto distribuía de graça pizzas dobradas de uma enorme panela de cobre e posava para centenas de selfies. (“Nem se fosse o Clark Gable”, disse um dos garçons de Sorbillo, balançando a cabeça.) Em meio a isso tudo, o pizzaiolo experiente em mídia exibiu uma pizza especial com “Pizza UNESCO” escrito em ricota de búfala sobre uma marinara.
Imaculadamente arrumado e de óculos, Sorbillo entrou na cozinha, passando por um boneco de papelão de si mesmo segurando seu novo livro, “Pizzaman”. Pegou uma bola de massa do topo de uma pilha de caixas verdes, azuis, vermelhas e cor-de-rosa, jogou farinha na bancada de mármore e jogou a massa com força.
“Esse é chamado de método da pancada”, disse ele.
Em seguida, abriu a massa, espalhou o molho, polvilhou o queijo, regou com um fio de azeite e puxou as laterais do que se tornaria a borda, colocou-a sobre uma pá de madeira e a deslizou para o forno a lenha.
“É uma arte. Começou em Nápoles e sobreviveu por séculos, apesar de todas as dificuldades, dos terremotos, do Vesúvio, da guerra e das guerras”, disse Sorbillo.
Sorbillo remonta o caminho para o reconhecimento começando há 300 anos, mas o processo de reconhecimento pela Unesco começou mais recentemente, quando, em 2009, Pier Luigi Petrillo, professor e especialista em “teorias e técnicas de lobby”, deu entrada em três pedidos na Unesco em nome do Ministério da Agricultura da Itália.
A primeira a ganhar foi a dieta mediterrânea, em 2010 (“Ela deu origem a um corpo considerável de conhecimentos, canções, frases, contos e lendas”), seguido em 2014 pela prática de fazer o vinho Zibibbo na ilha siciliana de Pantelleria. (“A técnica consiste de várias fases”). Nesse mesmo ano, Petrillo começou a colecionar o que acabou sendo 2 milhões de assinaturas para a causa dos pizzaiolos.
Ele viajou pelo mundo para promover a candidatura dos pizzaiolos, pressionando pessoalmente os representantes de países cruciais, abusando de desenhos feitos por crianças de seus pais preparando pizza e explicando, como na solicitação feita à Unesco, que o pizzaiolo “faz a massa girando-a e jogando-a entre as duas mãos e, em seguida, joga-a para cima com um movimento rápido, muitas vezes cantando canções tradicionais”.
Ele competiu contra o “Al-Qatt Al-Asiri, decoração tradicional feminina de paredes interiores em Asir”, na Arábia Saudita”, as “práticas culturais associadas ao primeiro de março”, na Bulgária, e “a taskiwin, dança marcial do Alto Atlas ocidental”, em Marrocos. Mas o lobby da pizza valeu a pena.
Por volta das 5 horas da manhã do dia 7 de dezembro, Sorbillo acordou Ciro Oliva, o mestre pizzaiolo que comanda a Concettina ai Tre Santi, gritando “Ciro, ganhamos!”
Oliva, 24, disse que começou a gritar de alegria também. “Esse dia será lembrado na história da pizza.”
A bisavó de Oliva começou a fazer pizzas no mesmo edifício no bairro Sanità, onde hoje ele faz sua mágica, com pouco mais do que um forno e uma janela para entregá-la ao cliente na rua.
Até alguns anos atrás, Sanità, onde ainda se assiste a DVDs piratas da série “Gomorra”, que se passava em Nápoles, era o tipo de lugar onde as pessoas não iam. Agora, disse Oliva, vem gente de toda a cidade e do país, e esperam uma hora na fila para saborear a arte do pizzaiolo.
“Três horas”, corrigiu Paolo Fischetti, 40, que se sentou em uma mesa saboreando uma das criações perfeitamente assadas de Oliva.
Oliva, gregário e exuberante, buscou elevar pizza ao próximo nível. Tão adepto do marketing quanto Sorbillo, aproveitou a publicidade da Unesco para mostrar um menu de degustação de pratos de alta gastronomia, incluindo massa de pizza recheda com queixo de porco, sanduíches de alcachofra, calzones de seriola fritos e porções de marinara que mostraram a pureza de seus produtos e a sofisticação de sua habilidade.
Ele disse que é uma profissão que permitiu que devolvesse algo à comunidade, oferecendo pizzas gratuitas e pagando aulas de inglês para crianças locais. Ele tem um séquito fiel de amantes da gastronomia, e em um pátio cheio de varais de roupa, e uma sala de armazenamento de alta tecnologia para que sua adorada massa descanse e amadureça.
Mas, quando ainda menino, começou a entregar pizzas para seus pais, dirigindo uma scooter com uma mão e equilibrando as pizzas em seu antebraço com a outra, disse que ninguém respeitava a arte de pizzaiolo.
“Quando eu era pequeno, eles riam de mim”, afirmou, referindo-se aos colegas de classe que o cumprimentavam na escola com o coro de uma música italiana popular que dizia “Vá fazer uma pizza”.
Ele se preocupa que a filha, apesar de poder frequentar uma escola privada exclusiva com os filhos de juízes e magistrados, enfrente preconceitos semelhantes. Mas, com a Unesco reconhecendo seu pai como um dos principais fornecedores de uma herança intangível da humanidade, ele espera ser mais respeitado.
“Agora, veremos”, disse ele.
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Jason Horowitz | © 2017 New York Times News Service