Nas últimas décadas os residenciais em condomínios fechados se tornaram verdadeiros clubes com extensa área de lazer agregando piscinas, quadras esportivas, academias, salas de ginásticas, jogos e beleza e até cinemas. Com as medidas restritivas e decretos oficiais por conta da pandemia do novo coronavírus (covid-19), muitos condomínios fecharam suas áreas de lazer para evitar a propagação da doença. Mas alguns mantiveram tais áreas abertas. Com isso, o que se vê na prática é uma “guerra” entre os que querem a abertura, os que querem a manutenção do fechamento e os síndicos que tentam administrar a crise interna.
Adalberto Luque é síndico em um condomínio com cerca de 200 moradores e muitas áreas de lazer: quadra poliesportiva, horta comunitária, playground, piscina, salão de jogos, churrasqueira e salão de festas, além das garagens. Ele diz que tem seguido as orientações jurídicas da administradora do condomínio, apesar de ter recebido uma grande pressão por parte de alguns moradores.
“Sei que é algo muito controverso, mas procuro manter essas determinações. Isso, inclusive, causou uma revolta por parte de um grupo de moradores, que exige o direito a utilizar a academia, justamente um dos itens mais comentados pelo alto risco de contágio”, revela.
Apesar dos decretos serem destinados às áreas públicas, Luque diz que a recomendação em fechar é para evitar problemas futuros, além da transmissão da doença. “Primeiro o síndico pode ser responsabilizado criminalmente por não cumprir determinações dos governos estadual e municipal a este respeito. Segundo, o condomínio pode ser responsabilizado na esfera cível a indenizar eventuais queixosos”.
Segundo ele, os moradores criaram um grupo de WhatsApp e tentaram lhe pressionar. “A maioria dos moradores apenas se posicionou. Mas alguns poucos, dois ou três, chegaram a ser hostis. Acusaram de tomar medidas arbitrárias, de inventar leis inexistentes. E tudo o que fiz sempre foi feito com consulta jurídica. No mais, as leis que imperam no condomínio são elaboradas pelos próprios moradores – não em relação à covid-19, mas em relação ao cotidiano do prédio. Apenas faço cumprir”.
O síndico afirma que não pode tomar uma atitude exigida pelos moradores que vai implicar em problemas legais a sua pessoa. “Inclusive, na minha resposta aos moradores, solicitei que, caso achem viável, que recorram à Justiça e consigam uma liminar, pois isso me isenta de qualquer problema. Não sei se irão tentar a liminar”, finaliza.
Pesquisa entre moradores
Júlio Roveda é sindico em um condomínio residencial vertical com 14 torres em área de 90 mil m2, com uma extensa reserva de área verde. São diversas áreas de lazer e festas. Tudo fechado na pandemia. Assim como Luque, Roveda foi procurado por moradores para abertura das áreas comuns.
“Os pedidos de aberturas de áreas, são de diversas formas, amigos pedindo por favor, e-mail tentando um embasamento técnico, com recomendações de órgãos de classe, com decretos dúbios e contrários nas esferas municipal, estadual e federal, entre outros”. Apesar dos pedidos, os espaços continuam fechados.
“As maiores cobranças são pelas aberturas de academia, quadras e piscinas. A do salão de festas, o pessoal esta mais conformado. Veja que eu não fechei os Playground, e nem pista de caminhadas, pois se tivesse fechado ai a cobrança seria bem maior”, salienta.
Roveda diz que para a tomada de decisão de abertura e fechamento, sempre pede um parecer jurídico, sobe a situação, decretos e boletins, e conversa com Conselho Fiscal e Tesoureiro, antes da tomada de decisões.
Uma pesquisa foi realizada no condomínio que contou com a participação de 36,9% dos apartamentos. O resultado foi expressivo entre os participantes e a grande maioria decidiu pela continuidade do fechamento. Na pesquisa, as perguntas foram específicas por área, como, piscinas, quiosques, quadras e campos.
Especialista recomenda: síndico tem que assumir papel de gestor
Segundo o advogado especialista em Direito Imobiliário, professor e coordenador da pós-graduação em Direito e Gestão Condominial da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Márcio Spimpolo, tanto em Ribeirão Preto como no estado de São Paulo não há nenhum decreto que fale especificamente sobre como os condomínios devem organizar a sua vida interna diante das questões que envolvem a pandemia.
Spimpolo reconhece que alguns síndicos têm fechado as áreas comuns, outros síndicos preferem não fechar e ainda outros preferem escalonar o uso dessas áreas com base na opinião obtida por enquetes dentro do condomínio.
Afinal, o que o síndico deveria realmente fazer?
O especialista salienta que no dia 12 de junho passado entrou em vigor uma lei transitória (Lei nº 14010/20) e no seu artigo 12 autorizou expressamente o síndico a fazer assembleias virtuais. “Diante disso, é de suma importância – até para que o síndico não fique com as responsabilidades advindas de decisões unilaterais – que ele faça uma consulta formal aos moradores sobre o que aquela micro-comunidade deseja para o seu condomínio”.
O advogado ressalta ser importante que neste momento o síndico assuma o papel de gestor e faça um planejamento, apresentando aos condôminos numa assembleia convocada para essa finalidade. “Tal planejamento deve ser baseado nos dados oficiais e atualizados obtidos para a nossa localidade sobre a pandemia covid-19, levando-se em conta as particularidades do condomínio. Nem sempre é prudente fazer o mesmo planejamento para condomínios com características diferentes. Por isso, pode ser que em alguns condomínios seja recomendável utilizar com restrições algumas áreas comuns e em outros, não. A forma de apresentação da questão para os moradores tem muita relevância nesse momento. Por isso, a melhor saída é uma comunicação regular com todos e tomar decisões baseadas na maioria da coletividade”, finaliza.