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Com que roupa que eu vou?

Apesar de ter vivido apenas 27 anos, o poeta da Vila, Noel Rosa viveu intensamente, compondo mais de 200 canções com melodias e letras maravilhosas, retratando o cotidiano da Vila Isabel, da Lapa boêmia e exaltando os amores vividos e idealizados.

Baseado nos livros Noel Rosa – uma biografia, de João Máximo e Carlos Didier e Noel Rosa, de André Diniz e Ju­liana Diniz. Além da cinebiografia “Noel – Poeta da Vila”, do diretor Ricardo Van Steen, vou contar a história de algumas músicas de Noel Rosa, começando pela clássica e polêmica Com que roupa?

Várias histórias são atribuídas ao clássico “Com que roupa?”. Uma delas é simples: as pessoas estavam sofrendo com a crise de 1929 e o dinheiro para a roupa começava a ficar escasso. Porém, André Diniz e Juliana Lins, autores de um ensaio sobre o compositor da Vila, contam outra história possível. Certo dia, Noel, já com 20 anos e sem conseguir emplacar nenhum sucesso, resolveu fazer diferente e ficar em casa, agradando sua mãe, Dona Martha.

Porém, um pouco mais tarde, a campainha tocou. Eram alguns amigos de Noel, convidando-o para sair. Animado, Noel começou a revirar o armário a procura de uma boa roupa. Só que ele não contava com a audácia de sua mãe, que escondera, mais cedo, todas as vestimentas do filho. Noel, desesperado, saiu na janela e falou aos amigos: “Eu quero ir, pessoal! Mas com que roupa? Com que roupa eu vou?”. Noel não saiu de casa, mas teve a inspiração para seu primeiro sucesso como compositor.

Três Apitos é uma música feita num momento em que Noel estava perdidamente apaixonado por Clara, que traba­lhava na fábrica de tecidos Confiança, em Vila Isabel. Ao fim do expediente da jovem moça, três estridentes apitos indi­cavam que era o momento de Noel se aproximar para tentar alguma aproximação.

Apesar da explicação acima ser a mais aceita, ainda corre a história de que a música era para Josefina, operária de uma fábrica de botões. Quando questionado certa vez, Noel disse que a “qualquer operária no Brasil se encaixaria na canção”, mantendo o mistério sobre sua musa inspiradora.

Já muito doente, com a tuberculose em estado extrema­mente avançado, Noel, aos 26 anos, viu a morte cada vez mais perto. Querendo homenagear Ceci, bailarina de cabaré e sua grande paixão, o compositor da Vila escreveu Último Desejo, que viria a ser uma de suas últimas composições e, sem dúvi­das, uma das mais belas:

“Nosso amor que eu não esqueço, e que teve o seu começo numa festa de São João. Morre hoje sem foguete, sem retrato, sem bilhete, sem luar e sem violão. Perto de você me calo, tudo penso e nada falo, tenho medo de chorar. Nunca mais quero seus beijos, mas meu último desejo, você não pode negar. Se al­guma pessoa amiga pedir que você lhe diga, se você me quer ou não. Diga que você me adora, que você lamenta e chora a nossa separação. Às pessoas que eu detesto diga sempre que eu não presto, que meu lar é um botequim. Que eu arruinei sua vida, que eu não mereço a comida que você pagou pra mim”.

Salve Noel Rosa, o grande poeta da Vila, que como diz Drummond, teve apenas duas mãos e o sentimento do mundo.

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