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Com humor, série ‘Samantha!’ brinca com cultura das celebridades

Por Pedro Antunes

São os primeiros minutos em cena. Nos anos 1980, a jovem Samantha (vivida por Maria Eduarda) percorre o set de seu programa de televisão. É chamada pelo diretor para o palco enquanto busca por sua tiara favorita. No meio do caminho, xinga algumas pessoas (que fumam em um ambiente fechado, afinal, de novo, se trata de uma cena que se passa mais ou menos 30 anos atrás), ouve “te odeio” de um garoto, enquanto outro coloca o almoço para fora em um balde. Segundos antes de iniciar a transmissão do seu programa de TV, como líder do grupinho Turminha Plimplom, recebe a tal tiara do mascote do programa interpretado por Ary França vestido com uma fantasia de maço de cigarro (ai, anos 1980…) com o nome de Zé Cigarrinho. “Você é a criança mais amada do Brasil”, ele diz à pequena Samantha. Ela sorri. Acredita. As câmeras são ligadas. E a magia começa.

O corte da cena volta com uma Samantha 30 anos mais velha, em 2018, interpretada por Emanuelle Araújo (que foi a Gretchen em Bingo – O Rei das Manhãs). Ela dubla a mesma música dos tempos de infância – algo sobre um disco voador -, meio sem jeito, em uma biboca qualquer. Deixa o palco ao som de um “gostosa!”, gritado por uma voz feminina. Diante do seu agente, Marcinho, interpretado por Daniel Furlan (do Choque de Cultura e Falha de Cobertura), ela ouve que deveria aceitar o convite para protagonizar um filme pornô. “Eu sou um patrimônio”, responde Samantha. “Tombado, né?”, retruca Marcinho.

Samantha, a personagem, dá nome à nova série nacional da Netflix, a primeira comédia feita no País para o serviço de televisão por streaming, que estreia nesta sexta-feira, 6. Samantha! (assim, mesmo, com o ponto de exclamação) é uma criação de Felipe Braga (roteirista e diretor do filme Latitudes, de 2014) que faz humor com drama (ou drama com humor) ao retratar a vida de quem se abasteceu da fama, alimentou-se dos holofotes e criou sua personalidade diante das câmeras e que, hoje, figura no máximo naquelas listas “caça cliques” feitas por sites de celebridades com o título de “que fim levou?”. Samantha foi uma celebridade, encheu estádios com 100 mil pessoas – quando isso ainda era permitido no Brasil – e que, como acontece quase sempre, foi esquecida. Ainda quer a fama, quer o “horário nobre” a qualquer custo. Samantha!, a série, faz com que a ex-celebridade deixe de ser uma curiosidade para compartilhar com os amigos nas redes sociais ou nos grupos de WhatsApp. Transforma-a em alguém, como eu e você.

E vamos logo tratar do elefante branco no meio da sala? Sim, estamos falando das semelhanças entre Samantha e a trajetória de Simony, a cantora e apresentadora que, tal qual a personagem da ficção, também liderou um grupo infantil de grande sucesso durante a década dourada – no caso dela, foi a Turma do Balão Mágico -, com quem voltou a circular recentemente e até se apresentou no Milkshake Festival, realizado no início do mês passado, em São Paulo. Samantha é casada com Dodói, um ex-jogador de futebol que deixa a prisão no primeiro episódio da série interpretado por Douglas Silva. Simony foi casada com o rapper Afro-x e o conheceu quando ele também estava na prisão.

Para os criadores, Simony é uma das inspirações para a personagem, ao lado de outros nomes populares da programação da TV aberta brasileira naquele década, como Mara Maravilha, Xuxa, etc. Para tratar das semelhanças, a reportagem entrou em contato com Simony que disse, por mensagem de texto, não ter interesse em falar sobre a série.

Isso posto, Samantha! deve ser tratada como uma ficção que bebe das fontes oitentistas, algo que nem sequer é novidade no catálogo da Netflix. A empresa sabe que obras que reverberem a década vão bem e o público adora – vide o sucesso retumbante de Stranger Things. Além disso, mais do que tratar da ex-celebridade, a criação de Felipe Braga quer falar sobre o amor. “Para mim, a premissa original de Samantha! era tratar do amor. Ela foi a criança mais amada do Brasil nos anos 1980, não era uma ilusão!”, explica ele. “Também é interessante”, segue Rita Morais, produtora da série, “o fato de que ela, que era tão amada, agora não entende as novas regras sociais e as novas celebridades.”

Emanuelle Araújo, assim que recebeu o esboço do primeiro dos sete episódios, entendeu o que havia de genuíno em sua personagem Samantha. “O que vejo é uma mulher com uma paixão”, ela explica. “No caso dela, a paixão, a obsessão, é brilhar. Existe uma complexidade nela, algo muito honesto e genuíno. É muito fácil vê-la e fazer um julgamento”, avalia.

O fato é que Samantha pode ser tão detestável quanto adorável. E seu núcleo familiar é disfuncional. Samantha e Dodói têm dois filhos, afinal. “Para mim, é o afeto familiar que move a série”, explica Emanuelle.

“Existe uma complexidade ali. As relações se mostram verdadeiras, sabe?”

No fim, a protagonista é alguém que, como tantas outras celebridades da vida real, deixou o palco pela saída dos fundos. Acreditou ser a mais “amada do Brasil” e esqueceu de ser amável com quem estava ao seu lado.

Trinta anos depois, suas ações de criança mimada ainda reverberam e ela está sozinha atrás de um sonho que só parece distante demais. “Ela, a Samantha, não é uma heroína”, pondera Emanuelle, “nem uma anti-heroína.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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