Luiz Paulo Tupynambá *
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Por mais jovem que a minha pessoa possa parecer aos vossos olhos, com certeza é bondade deles me considerar assim um quase jovem ou, vá lá, um adulto de idade ligeiramente avançada. Bondade porque na verdade, surfo por essas ondas azuis do nosso planetinha desde prístinas eras.
Esclareço: no meu primeiro ano escolar constavam entre os itens “indispensáveis para o correto aprendizado do petiz” duas canetas-tinteiro de madeira com ponteira de metal, um pote com tinta azul-marinho e um pote de tinta nanquim, mata-borrão, folhas avulsas de papel almaço para rascunho, além do indefectível Caderno Escolar do Aluno com a capa estampando Tiradentes e a contracapa com a letra do Hino Nacional. Outros itens interessantes eram a régua de madeira de 30 centímetros e o estojo com borracha, lápis preto e de cor, apontador e paninho para limpar a ponta das canetas e não lambuzar a mão de tinta. Mas, primeiranista de Grupo Escolar tinha duas coisas inseparáveis sempre à mão: a lancheira de couro com a garrafinha de alumínio e a tampa de caneca do mesmo material. Mãe zelosa colocava Q-Suco de groselha na garrafinha para seu filhote não engasgar com o lanche de pão com banana-nanica. O segundo era a Cartilha Caminho Suave, da “Abelha à Zabumba”, onde se aprendia o ABC, sem “ipsilone, ká e dabliú”, conforme ditava o Formulário Ortográfico de 1943, para o bem da escorreita última flor do Lácio.
Hoje trabalho com um computador e um celular. Devo ter canetas e lápis por aí em algum canto, mas já não os uso faz tempo. Me considero uma pessoa do meu tempo, pelo menos no que diz respeito à tecnologia. Me dou bem com a Inteligência Artificial à disposição atualmente para realizar minhas tarefas de trabalho, seja para a pesquisa e produção de textos, seja para a edição de fotos ou confecção de trabalhos gráficos. Minha tristeza é com a fotografia. O avanço das IAs de produção de imagens fotográficas e gráficas é impressionante, mesmo para mim, que conheço razoavelmente as duas áreas e a fotografia de campo e estúdio. O campo profissional está se estreitando cada vez mais para os fotógrafos.
Digo isso aqui para ilustrar a gigantesca passagem do início da minha alfabetização até os meus dias de aprendizado atual. Aprendo todos os dias, busco sempre novos conteúdos para conhecer outras tecnologias. E fico imaginando como é difícil para os professores de hoje, que estão na barreira da passagem do Ensino, de como ele é agora para o Ensino baseado em Inteligência Artificial. Não falo apenas desse primeiro passo dado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, de criar o conteúdo pedagógico utilizando o ChatGPT e outras ferramentas de IA. Isto é apenas o ponto de partida para que em poucos anos tenhamos praticamente todo o Ensino estadual baseado em Inteligência Artificial. Os já massacrados professores de nossas escolas públicas parecem estar afastados do processo. Não bastam os baixos salários, o deslocamento cotidiano obrigatório entre escolas distantes em diferentes bairros, em uma escala “burra” gerada por sistemas que usam o mesmo algoritmo para uma cidade de vinte mil habitantes como para uma cidade de dois ou dez milhões; o desprezo pelo trabalho proposto ou realizado; o descaso para com a formação uniforme e eficaz na adaptação à Inteligência Artificial para todos os professores efetivos ou não. E aqui falo tanto dos professores e professoras da rede estadual, como dos mestres da rede municipal.
Será que o uso pelo Estado das ferramentas disponíveis pela IA vai contemplar o maior interessado, o aluno? As próprias plataformas de IA para o ensino listam essas prioridades para um conteúdo e utilização eficientes da ferramenta: 1. Personalização do ensino (aluno atendido individualmente); 2. “Feedback” instantâneo (avaliação imediata do aluno e fornecimento de correções e sugestões de melhoria); 3. Acesso à informação (“chatbots” e assistentes virtuais que respondam ao aluno imediatamente); 4. Estímulo à criatividade (criação de materiais interativos que estimulem a participação dos alunos); 5. Aprendizado colaborativo (possibilidade de conexão entre alunos com interesses semelhantes, incentivando a troca de ideias e projetos conjuntos); 6. Aprimoramento da detecção de dificuldades de aprendizagem nos estágios iniciais;7. Aprimoramento de avaliação (com criação de rubricas de avaliação de cada item ensinado); 8. Eficiência na gestão escolar (automatizando tarefas administrativas e melhorando a eficiência da gestão).
E qual será o papel do professor em um novo sistema de Ensino baseado na Inteligência Artificial? Veja a resposta do ChatGPT a essa pergunta:
“Os professores desempenham um papel crucial na integração da IA na educação. Eles se tornam mediadores e curadores do conteúdo, aproveitando as ferramentas de IA para personalizar o ensino e atender às necessidades específicas dos alunos. Além disso, os professores podem colaborar com sistemas de ensino liderados por IA, contribuindo com opiniões e experiência para aprimorar o processo educacional”.
Resta saber se essa transição iniciada pelo governo de São Paulo será bem gerida, pois corremos o risco de trocarmos a Cartilha Caminho Suave, da professora Branca Alves de Lima, que nos ensinou tão bem, pela Apostila Cibernética do Tio Avatarcísio. Pois é.
* Jornalista e fotógrafo de rua