No último dia 31 de outubro nove pessoas morreram após terem sido soterradas em uma gruta que desmoronou na cidade de Altinópolis, na região de Ribeirão Preto. Na oportunidade, 28 pessoas participaram de um treinamento especializado para bombeiros civis. Em entrevista ao Tribuna, o presidente do Conselho Nacional de Autorregulamentação de Bombeiros Civis (CNBC), Iva- Campos, apontou alguns possíveis erros durante a realização desse treinamento.
De acordo com Ivan, o curso teria sido feito de forma insegura. Ele comentou ainda que todo treinamento deve ser feito em um ambiente controlado e seguro, e que levar bombeiros para uma área remota, em que não há socorro por perto, foge completamente do que há de normas e diretrizes de boas práticas no mercado.
“Se você quer ensinar um pessoal e dar um curso de resgate em caverna, por exemplo, é possível fazer isso no centro de treinamento, criar uma gama de simulações que você pode passar como um primeiro conhecimento teórico, um primeiro exercício prático para esse aluno sob o olhar atento do instrutor”, comentou Ivan. O presidente do CNBC ainda ressaltou que se pode levar os alunos para uma vivência ou imersão, mas em um ambiente controlado.
“Não se deve colocar esses alunos em uma situação de risco real. Você só enfrenta uma situação de risco real se tiver no exercício da profissão e com toda uma gama de cuidados, procedimentos e suporte para controle. Nesse caso, a primeira coisa que a empresa deveria ter feito é comunicar aos serviços de emergência da região. Se a cidade tinha um serviço de bombeiros tinha que ter sido comunicado, se tinha uma Defesa Civil tinha que ser comunicada. Porque, a partir disso, esses serviços já estariam sabendo que existe um grupo em uma situação de risco que poderia precisar de socorro. Esse cuidado faz parte de algo que é chamado de ‘plano de emergência'”, completou.
Por meio de nota, a Prefeitura de Altinópolis ressaltou que não tinha conhecimento da realização do treinamento, já que o mesmo ocorria em uma propriedade particular. No entanto, também ressaltou que, por se tratar de atividade realizada em local cujas características poderiam oferecer riscos aos participantes, a Coordenadoria de Defesa Civil do Município deveria ter sido previamente comunicada para a realização da avaliação de riscos.
Questionado, o advogado de defesa da escola de treinamento Real Life, que realizava o curso com os bombeiros civis na gruta, Wesley Felipe Martins dos Santos Rodrigues, comunicou que Celso Galina Junior, instrutor que coordenava o treinamento no dia do incidente, fez vistoria no local na data anterior.
“Ele foi ao local, vistoriou e viu como estava a gruta. O problema é que estava fazendo sol todos aqueles dias, mas no dia em que foram fazer o curso choveu muito. Tanto é que eles nem conseguiram sair da gruta, por conta da chuva”, disse o advogado.
O presidente do CNBC ressaltou que, por norma técnica, “é obrigação do coordenador do curso verificar as condições meteorológicas antes e durante a realização para, se tiver previsão de mau tempo, não deixar esse evento acontecer”. Iva- Campos ainda completou dizendo que, se fossem observados os critérios de segurança das normas e diretrizes das boas práticas de mercado, o incidente não teria acontecido.
Investigação policial
Na sexta-feira, 5 de novembro, começaram os depoimentos dos sobreviventes e testemunhas do acidente, assim como o do empresário Sebastião Abreu, proprietário da Real Life, que não estava presente na data da fatalidade. Na ocasião, as primeiras 11 pessoas foram ouvidas. Já na quarta-feira, 10 de novembro, as últimas testemunhas comentaram o incidente junto ao delegado do caso, Rodrigo Salvino Patto.
De acordo com a Polícia Civil de Altinópolis, todos os depoimentos já foram prestados, com exceção de uma das vítimas que foi resgatada com vida. Ao Tribuna, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) informou que o caso está sendo investigado por meio de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Altinópolis.
Comunicou ainda que as oitivas prosseguem com o intuito de auxiliar no esclarecimento dos fatos. Porém, ressaltou que demais detalhes serão preservados para garantir autonomia ao trabalho policial. O CNBC também foi acionado pelo delegado do caso para auxiliar com alguns esclarecimentos sobre o treinamento e colabora com as investigações.
O advogado Wesley Felipe Martins dos Santos Rodrigues comentou que, se comprovada a culpa por parte de Celso Galina Junior, que coordenava o treinamento, a empresa Real Life pode ser responsabilizada. “Mas é tudo muito subjetivo ainda. Tem que averiguar se uma vistoria detectaria essas falhas e se qualquer pessoa conseguiria detectá-las”, comunicou.
Além de instrutor, o advogado comentou que Celso possuía uma parceria com Sebastião Abreu, proprietário da escola. De acordo com ele, Celso utilizava o nome da marca com autorização de Sebastião e compartilhava parte dos recebimentos. Ainda segundo Wesley, essa foi a primeira vez que esse treinamento foi realizado.
Resgate
Quem esteve à frente da operação de resgate das vítimas da gruta de Altinópolis foi o comandante interino do 9º Grupamento do Corpo de Bombeiros, Major Rodrigo Moreira Leal, que comentou a ação. Acionados por volta da 1h, do dia 31 de outubro, os agentes da guarnição enfrentaram de início algumas dificuldades.
A primeira delas foi o difícil acesso à gruta. De acordo com o major, foi necessário parar as viaturas em uma trilha e acessar o local a pé, em uma caminhada de cerca de 30 minutos até o ponto em que ocorreu o desmoronamento. Por volta das 3h, o atendimento se iniciou.
“Nós encontramos no local 11 pessoas, uma foi socorrida, outra estava parcialmente soterrada. A partir daí, nós começamos um trabalho de busca dos outros nove desaparecidos que estavam soterrados. Ali havia um risco muito grande de novos desmoronamentos. Então, precisamos fazer um trabalho de escoramento da gruta para dar proteção às equipes”, comentou o comandante.
Durante as buscas, as nove vítimas foram encontradas, porém todas sem vida. O major Rodrigo informou que toda a operação de resgate durou pouco mais de 20h ininterruptas. Ressaltou ainda que choveu durante todo o atendimento da ocorrência e foram acionadas equipes do Corpo de Bombeiros de Rio Preto, Marília, Bauru e São Paulo, assim como apoio do helicóptero Águia.
Ainda durante os trabalhos, um geólogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) foi acionado até o local e comunicou que a gruta em questão é de arenito e naturalmente ocorrem desmoronamentos pela própria formação desta.
“Eu lamento a perda das nove vidas, que eram bombeiros civis que estavam tentando se especializar de alguma forma para ter uma ocupação melhor. Então, minha solidariedade para as famílias e para os amigos”, finalizou o major Rodrigo.
Quem são as vítimas do desmoronamento:
– Ana Carla Costa Rodrigues de Barros, 28 anos
– Celso Galina Júnior, 30 anos
– Débora Silva Ferreira, 24 anos
– Elaine Cristina de Carvalho, 52 anos
– Jenifer Caroline da Silva, 25 anos
– Jonatas Ítalo Lopes, 28 anos
– José Cândido Messias da Silva, 53 anos
– Nata- de Souza Martins, 18 anos
– Rodrigo Triffoni Calegari, 32 anos