Tribuna Ribeirão
Cultura

Clint, 90

Por Luiz Carlos Merten

Tamanho sempre foi documento para Clint Eastwood, desde que era Clinton, o mesmo nome de seu pai. Nasceu em 31 de maio de 1930 , com 5,1 kg, um bebê tão grande que, instantaneamente, ganhou das enfermeiras do St. Francis Hospital, em São Francisco, o apelido de Sansão. Pré-adolescente, já media 1,83 m e se destacava nos esportes – claro -, sendo particularmente bom no basquete. Mas era tímido.

Uma professora teve a ideia de colocá-lo no grupo de teatro, para ajudar a socializar. Ele detestou. Jurou que aquele era o fim de sua carreira de ator. Mais tarde, na época da Guerra da Coreia, chegou a se alistar, mas nunca foi para o front. Ficou amigo de um grupo de bonitões que já vinham tentando fazer cinema – John Saxon, David Janssen, Martin Milner.

Empurrado pelos amigos, e com a expectativa de mais diversão, encarou a possibilidade de ser ator. Chegou a ser contratado pela Universal para um treinamento de jovens atores. Tornou-se protegido de Arthur Lubin, que era gay e sonhava fazer dele o seu Rock Hudson, astro número 1 do estúdio e parceiro habitual de outro diretor, Douglas Sirk, que também era gay. Entre 1955 e 58, Clint participou de 11 filmes com títulos como A Vingança do Monstro e Tarântula (Jack Arnold), O Suplício de Lady Godiva (Arthur Lubin) e Crimes Vingados (Charles Haas), etc. Eram participações insignificantes e o aspirante a astro – naquela época confiava mais na estampa do que no talento – ganhava dinheiro cavando piscinas.

Algo se passou em 1958. A CBS anunciou um novo seriado de western, e eles eram numerosos na TV da época. Clint, graças a uma amiga da mulher – já era casado com Maggie Johnson -, conseguiu um encontro com o produtor Robert Sparks. Não foi um teste. Conversaram brevemente no corredor da emissora. Sparks pediu informações sobre a carreira de Clint. Não conhecia nada que ele tivesse feito, o que o próprio Clint consideraria, mais tarde, ter sido uma bênção. Sparks já se afastava quando se virou e perguntou qual era a altura dele: 1,93 m. Foi o que terminou pesando na contratação.

O seriado Rawhide foi um sucesso. Durou oito temporadas e 215 episódios. O caubói Rowdy Yates transformou Clint num astro da telinha. Na Itália, o diretor Sergio Leone preparava sua incursão na vertente do spaghetti western, que substituíra o peplum, aventura mitológica, na produção industrial italiana.

Leone estava transpondo o clássico filme de sabre de Akira Kurosawa, Yojimbo, para o faroeste made in Spain. Precisava de um ator alto – bingo! – e, de preferência, americano, para dar legitimidade ao papel. Não havia com que se preocupar no quesito talento. O Estranho Sem Nome, como foi batizado o anti-herói, quase não falava.

Os três filmes que fez com Leone, entre 1964 e 66 – Por Um Punhado de Dólares, Por Uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito/Il Buono, Il Brutto e Il Cattivo – foram decisivos para Clint. Numa época em que os mestres (John Ford, Raoul Walsh) e até os novos talentos (Sam Peckinpah) já haviam decretado o fim dos mitos em Hollywood, nenhuma surpresa que Leone tenha feito de seu “mocinho” um aventureiro com um código tão individual que o leva a abrir mão dos escrúpulos. Para completar o mau comportamento, Leone vestiu-o com sombreiro, poncho, mal barbeado e fez com que, o tempo todo, mantivesse na boca uma cigarrilha apagada (que ele odiava).

A trilogia do Estranho Sem Nome foi lançada nos EUA quando Rawhide ainda estava no ar, e terminando. Clint era um astro, mas, para todos os efeitos, um astro italiano. Hollywood colocou-o de quarentena, escalando-o para um faroestezinho B, mas A Marca da Forca (1968), de Ted Post, coproduzido pela empresa que Clint criara, a Malpaso, saiu tão bom, e o público gostou tanto, que não deu mais para ignorar. Choveram os convites. Clint não assinou com nenhum estúdio, manteve a independência mesmo que tenha sido na Universal que iniciou e desenvolveu quase toda a parceria com Don Siegel. Fizeram cinco filmes – Meu Nome É Coogan, Os Abutres Têm Fome, O Estranho Que Nós Amamos (a primeira versão, de 1971), Perseguidor Implacável (o primeiro Dirty Harry, de 1972) e Alcatraz – Fuga Impossível, o último da dupla, de 1979.

Clint virou astro, mais que isso – ícone. Esculpiu uma persona de (anti?) herói solitário, que no fundo tinha respaldo na vida. Permaneceu mais de 30 anos casado com Maggie Johnson, mas era o primeiro a admitir que sempre teve outras mulheres. Se ela exigisse fidelidade, teriam acabado logo. O acordo de divórcio, em 1978, dotou-a com uma fortuna de US$ 25 milhões.

Clint casou-se mais três vezes, com Sondra Locke, Frances Fisher e Dina Ruiz. Com essa casou-se em 1996, quando já tinha 74 anos. Com ela foi pai de novo, quando já era avô.

Nos anos 1970, firmou a imagem de durão, sempre com o trabuco – Dirty Harry virou série, o Magnum 44 era sua marca. As feministas amavam odiá-lo. Mas o porco chauvinista tinha uma ambição. Queria tornar-se diretor, e respeitado. Dirigiu um primeiro filme (Perversa Paixão, de 1971). Dirigiu outro (Interlúdio de Amor/Breezy, de 1973). Com certeza havia ali alguma coisa. Não parou mais de dirigir. Até agora – O Caso Richard Jewell -, são 41 filmes, e contando.

Ganhou quatro Oscars – duas vezes melhor filme e diretor – por Os Imperdoáveis, de 1992 e Menina de Ouro, de 2005. Por mais de 20 anos sempre houve alguma indicação para Clint e seus filmes.

Mas a Academia foi renitente quando ele mais merecia – Gran Torino, de 2008. Honrarias, teve de sobra. Além dos Oscars, presidiu o Festival de Cannes, recebeu o Irving Thalberg Memorial da Academia, o Life Achievemernt do American Film Institute, Globo de Ouro, etc.

O pai e a mãe de Clint formavam o que parecia o casal perfeito, mas houve a Grande Depressão dos anos 1930. Os Eastwood sobreviveram como podiam. Que Clint, de errand boy, tenha chegado tão longe, parece um sonho americano, mas ele foi sempre crítico em relação à ‘América’ e a si. Frequentou a Casa Branca de Ronald Reagan por amizade. Foi prefeito de Carmel. Sempre amou o jazz e biografou Charlie Parker, em Bird.

De volta ao tamanho, Stéphane Bouquet abre seu livro Clint Fucking Eastwood lembrando a cena de Um Mundo Perfeito, de 1993. O menino tem vergonha de tirar a roupa diante dos adultos. Butch olha e o tranquiliza. Diz que, para a sua idade, está de bom tamanho. No mesmo filme, a aprendiz de policial é alvo do humor machista dos colegas veteranos que caçam os fugitivos. O que mata Butch é particularmente ofensivo. Ela lhe dá um chute na virilha. Em Os Imperdoáveis, a caçada começa quando o malfeitor retalha o rosto da prostituta que riu do tamanho do seu sexo. Clint, como Munny, o caçador, pega o revólver, avalia (o tamanho). Substitui pelo rifle.

Talvez o grande feito de Clint Eastwood, na arte como na vida, tenha sido conseguir esculpir sua face na pedra, tornar suas rugas experiências vividas no imaginário do público, como os maiores astros de antigamente – Gary Cooper, Spencer Tracy, John Wayne, James Stewart. Clint Eastwood, ou O homem que soube envelhecer.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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