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Chico Buarque enganando a ditadura

Durante o período da ditadura militar brasileira, não só pessoas que se propuseram a registrar seu descontentamento ao regime, indo às ruas, ou se organizando em grupos armados, foram reprimidas. Personalidades públicas, e principalmente ligadas à cultura, também sofreram censura, como músicos e atores.

Um bom exemplo disso é a censura sofrida por Chico Buarque. Suas músicas foram censuradas, mesmo com a sagacidade do autor em fazer trocadilhos, dando brecha para se projetar outros olhares e inter­pretações sobre cada letra, que não só a perspectiva da crítica política. Chico chegou a usar um pseudônimo, conhecido como Julinho de Adelaide, para “fugir” da repressão e da censura.

A partir desse pseudônimo ele criou composições como “Acorda amor”, “Jorge Maravilha” e “Milagre Brasileiro”, que retratavam justamente a con­juntura do regime militar à época. Na letra da música “Acorda amor”, Chico fala dos horrores da polícia na vida do cidadão. Narra ainda a experiência do cárcere incomunicável, onde familiares e amigos desconheciam um o paradeiro do outro, algo muito comum no período da ditadura.

O temor que certa parte da sociedade criou entorno da polícia é tra­duzida na frase “chame o ladrão”, e que persiste até hoje. Acreditamos que a partir da problematização de músicas como essa é possível compreender melhor a história recente de nosso país. Confira!


Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame lá
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão
Acorda amor
Não é mais pesadelo nada
Tem gente já no vão de escada
Fazendo confusão, que aflição
São os homens
E eu aqui parado de pijama
Eu não gosto de passar vexame
Chame, chame, chame
Chame o ladrão, chame o ladrão
Se eu demorar uns meses
Convém, às vezes, você sofrer
Mas depois de um ano eu não vindo
Ponha a roupa de domingo
E pode me esquecer
Acorda amor
Que o bicho é brabo e não sossega
Se você corre o bicho pega
Se fica não sei não
Atenção
Não demora
Dia desses chega a sua hora
Não discuta à toa não reclame
Clame, chame lá, chame, chame
Chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão
(Não esqueça a escova, o sabonete e o violão)

Com duas canções no repertório do visado Chico Buarque naquele 1974 de chumbo e censura, o autor de “Acorda amor”, aquela do “chama o ladrão”, e “Jorge Maravilha” (“Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”) despertava a curiosidade do público e da imprensa.

Segundo Chico falava em suas apresentações, Julinho da Adelaide era um “compositor de morro carioca que vivia mais nas páginas policiais e que de repente passou para as páginas de crônica musical.” Tudo cascata.

Como todos no meio sabiam – menos os censores –, cansado de ver suas obras vetadas, Chico resolvera, de gaiatice, mandar algumas letras para apro­vação assinando como Julinho da Adelaide. O blefe funcionou, as letras foram liberadas e Chico se divertia nos shows dando crédito ao autor imaginário.

Salve Chico Buarque, que ousou enfrentar a censura com a criação do companheiro Julinho de Adelaide.

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