Paulo Freire deixou pensamentos profundos sobre o comportamento humano, em um deles fala sobre a aproximação, e da imbricação entre a teoria e a prática: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”. O momento que vivemos atualmente, principalmente no Brasil, mostra que a prática está totalmente apartada da teoria.
A Constituição brasileira está abarcada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no entanto o comportamento de parte dos políticos e de parcela da sociedade, não permite que essa Constituição seja o norte orientador para sermos uma Nação, e o velipendiamento da Carta Magna nos joga cada vez mais para o abismo do fundamentalismo, que só produz sofrimentos.
O sistema aristocrático e religioso que sempre dominou a política brasileira, não permitiu que a sociedade conhecesse a autonomia, principalmente os mais pobres, e com isso garantiramos privilégios que a nobreza exige. Não permitir que os pobres tenham acesso a uma educação pública de qualidade, sempre foi uma política de Estado. E esse vazio educacional foi preenchido pela religião, quecolocou sabiamente cada um em seu lugar na escala social por origem e hereditariedade. E com isso se apoderou do sentido da vida e da morte.
O Iluminismo colocou o ser humano numa posição autônoma em relação à religião, e isso iniciou a eterna briga entre ciência e religião, e dividiu o mundo entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, cabendo aos desenvolvidos o domínio da ciência e das tecnologias, e aos subdesenvolvidos, que são os pobres serem dominados pelas religiões e seus dogmas. O Brasil é um caso a parte, pois é rico, mas subdesenvolvido.
Nos últimos tempos a dicotomia entre ciência e religião chegou ao ápice no Brasil, e movimentos que eram comuns na Idade Média, e estavam devidamente sepultados, começaram a sair dos túmulos como nos filmes de zumbis, e tomar o cotidiano, coisa impensada para o século 21. A pandemia ao invés de trazer de volta aquela empatia, que já foi natural em uma parcela da população, ao contrário acirrou os ânimos, e a Idade Média baixou de vez.
Os movimentos obscurantistas de fundo religioso, de negação das ciências e de combate às pesquisas universitárias, apoiados pelo presidente, ressuscitaram uma população sectária que vivia na penumbra, e agora quer marcar território. Falam em proteger a vida, mas querem pena de morte. São contra qualquer tipo aborto, mas acham normal o estrupo, inclusive de crianças. Encaram com naturalidade crianças abandonadas pelas ruas. Dizem que seguem cristianismo, mesmo só pregando o ódio.
Os dogmas das religiões foram responsáveis pelos maiores crimes cometidos contra o ser humano. A crucificação e o apedrejamento, no cristianismo foram substituídos pelas fogueiras da Inquisição. A discussão sobre o aborto no Brasil chegou às raias do absurdo e da intolerância criminosa. A agressão sofrida pela menina de dez anos, por conta de um aborto legal, foi algo deplorável, proporcionado por gente desqualificada como ser humano.
No protesto em frente ao hospital havia ratazanas de igrejas, de parlamentos, e falsos moralistas. Mas foi nas redes sociais que as maiores agressões aconteceram. Primeiro foi uma professora da rede estadual de São Paulo, que afirmou: “a criança é responsável pelo estrupo, pois não denunciou durante quatro anos, e que recebia dinheiro para isso”. Depois foi um padre, que disse: “vá defender isso em outro lugar, você acredita que a menina é inocente?
Acredita em Papai Noel também. 6 anos, por 4 anos e não disse nada. Claro tava gostando. Por favor, kkkkk gosta de dar, então assuma as consequências”. Palavras de um homem de “Deus”.
Causar dor ao próximo é o ápice do ser humano.