Por Adalberto Luque
Em 23 de maio, o pai de um aluno que teria sofrido bullying foi até a sala da diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Dr. Waldemar Roberto, no Jardim Professor Antônio Palocci, zona Leste de Ribeirão Preto. Estava indignado com a situação e, em determinado momento da conversa, se levantou e, descontrolado, virou a mesa da diretora e atirou uma cadeira em uma outra mesa, atingindo um computador.
A cena forte foi registrada pelo circuito de segurança da escola. O pai foi preso em flagrante. No boletim de ocorrência, o delegado relata: “Importante ressaltar que não houve conduta ‘subsidiária’ contra a diretora, apenas certa agressividade, não caracterizando outro tipo penal vigente”.
O delegado estabeleceu fiança de um salário mínimo. O homem pagou e vai responder em liberdade. Mas além do problema gerado, está o pedido de socorro de um pai, inconformado com o bullying praticado contra seu filho.
Suicídio e ataques
Ana Paula Siqueira, presidente da Associação SOS Bullying, mestre e doutoranda pela PUC/SP e pesquisadora em cyberbullying e violência digital, aponta que a questão precisa ser enfrentada com rigor.
“Um caso extremo de bullying ocorrido em Praia Grande, no litoral paulista, em abril, causou a morte do estudante Carlos Teixeira, de 13 anos. Nos últimos 20 anos, o Brasil teve mais de 30 ataques violentos em escolas, em todos, o bullying sofrido anteriormente foi a justificativa dos agressores. Crianças autistas são vítimas frequentes de bullying e, na situação mais recente, estudantes autistas foram empurrados em escadas e agredidos dentro de uma escola de São Bernardo do Campo”, aponta Ana Paula.
As situações citadas ocorreram somente no Brasil, mas é fácil encontrar pesquisas apontando que a situação é semelhante em todo o mundo. Apesar de não se combater a prática do bullying, sobretudo nos ambientes escolares, porque muitos acreditam ser algo distante da realidade brasileira, trata-se de algo cada vez mais presente e preocupante.
“Uma pesquisa realizada nas escolas brasileiras, com apoio da Universidade de Stanford, aponta que um em cada quatro estudantes do ensino básico já foi vítima de intimidação, esculachos ou humilhação no ambiente escolar nos últimos 12 meses. É seguro dizer que o bullying está presente em 100% das escolas brasileiras. Com a vida cada vez mais conectada, também podemos afirmar que ele ocorre 24 horas por dia, sete dias por semana”, acrescenta Ana Paula.
Ela observa que, quando acaba o horário de aula, os xingamentos presenciais e agressões físicas são substituídos por memes humilhantes, montagens com fotos e ofensas em redes sociais e aplicativos de mensagens. “O bullying dá lugar ao cyberbullying e a vítima é acessada pelo celular ou computador e bombardeada o tempo todo, mesmo dentro de casa, onde deveria encontrar um ambiente seguro”, completa.
Como advogada, Ana Paula entende que, quase 10 anos após instituída a Lei do Bullying, sua aplicação prática dentro das escolas não é efetiva. Há poucos investimentos em programas permanentes de prevenção, tanto em escolas públicas, quanto privadas.
“O problema deixa expostos todos os envolvidos e traz consequências graves para toda a comunidade escolar. Os agredidos são as vítimas óbvias, mas o bullying afeta também agressores, famílias, colegas e professores”, conclui.
11% sofreram violência nas escolas
O Instituto DataSenado realizou uma pesquisa pública sobre violência no ambiente escolar. Divulgada em julho de 2023 pelo Senado Federal, a pesquisa aponta que 6,7 milhões de estudantes sofreram algum tipo de violência na escola nos últimos doze meses, o que representa 11% dos quase 60 milhões de alunos matriculados. Perguntados se já sofreram violência na escola, mesmo que atualmente não estejam estudando, o índice dos que disseram sim sobe para 22% e quanto ao bullying, o percentual vai para 33%.
A pesquisa, no entanto, detectou que entrevistados com mais de 60 anos não relacionam o bullying com violência.
“Bullying não é uma brincadeira, é um ato de intimidação, é um tipo de violência. E é muito interessante notar que as pessoas não associam bullying à violência”, analisa Isabela Lima Campos, chefe do Serviço de Pesquisa e Análise do Instituto Data Senado.
Fada
Sheyla Dutra é mãe da comunicativa Ana Luísa Dutra, de 19 anos. Sempre esteve presente em todos os momentos da vida da filha, uma jovem com síndrome de Down (tem esse nome em homenagem ao médico John Langdon Haydon Down que foi o primeiro a descrever, em 1866, pessoas com características da condição genética causada pela presença de três cromossomos 21, também conhecida como Trissomia do cromossomo 21).
Mas o sinal de alerta foi aceso por um colega da filha, que sempre estudou em escolas particulares de Ribeirão Preto. “A Ana Luísa ficou nove anos numa escola e nunca tomei conhecimento. Depois havia colocado ela em outra, uma das mais caras. Ela tinha uns 13 anos quando uma amiguinha me disse que ela vinha sofrendo bullying. Pedi permissão, através de grupos de WhatsApp e conversei com outros colegas da minha filha, sempre acompanhados pelos pais. Todos confirmaram isso. Ela ainda passou por outras duas escolas e também sofreu bullying”, lamenta.
No período da pandemia, Ana Luísa passou a fazer cursos online e concluiu vários, com louvor. Atualmente no ensino médio, a garota encontrou uma escola onde o que deveria ser regra, acaba sendo exceção: ela é incluída em todos os aspectos, nunca teve problemas.
“Ela está na Escola Batista Independente. A linha da escola se preocupa em incluir. Até teste simulado específico de Enem ela fez. A escola tem a melhor conduta”, desabafa.
Nesta luta contra a discriminação e contra o bullying, Sheyla acabou se engajando e passou a ajudar outras mães, orientando, ajudando na acolhida das crianças que sofrem bullying, seja por síndrome de Down, transtorno do espectro autista ou qualquer condição em que um ser humano seja obrigado a passar por agressões ou pressões psicológicas muito graves.
Deste trabalho, surgiu a Fada (www.familiadiversidade.com.br). Chegou a ser uma Organização Não Governamental, mas sem apoio, Sheyla toca o projeto de forma voluntária.
“O projeto nasceu a partir da observação da necessidade de muitas mães se empoderarem para garantir o desenvolvimento integral de seus filhos. A missão do Projeto Fada é garantir o acesso a informações de qualidade que garantam esse desenvolvimento através do empoderamento das famílias”, descreve.
Ana Luísa é uma jovem alegre e positiva. Mesmo tendo passado por situações difíceis por conta do bullying que sofreu em três das escolas onde estudou, esbanja felicidade e competência. É atriz, bailarina, coreógrafa, cantora, além de trabalhar e cursar o ensino médio.
“Alguns colegas da minha escola faziam bullying comigo. Não gostei, não gosto. Brincadeiras de mal gosto comigo. Hoje ajudo no Projeto Fada. Gosto muito. Ajudo minha mãe. Ajudo pessoas que precisam de ajuda”, diz Ana Luísa.
Palestras
Soraia Nunes é mãe de um garoto de 13 anos com síndrome de Down. Ela já sofreu na pele com o bullying praticado contra o filho. “Não foi grave, mas me motivou a lutar contra isso. No Brasil e no mundo, o coração sangra com o bullying”, revela.
Apesar de não serem casos graves, a situação enfrentada pelo filho fere toda família. “Eram comentários. Uma vez vi a mãe de uma aluna tirando a filha de perto do meu filho, como se síndrome de Down fosse contagioso. Então passei a ser mais atuante e a Sheyla, do projeto Fada, me incentivou. Hoje estou começando a ministrar palestras em escolas, para pais, alunos, professores e funcionários”, revela.
“Pais, conversem com seus filhos” é voltado, sobretudo, para os pais, porque, segundo Soraia, muitas vezes eles não se preocupam com casos de bullying, desde que não aconteçam com seus filhos. “É uma coisa complexa. E quem pratica o bullying também precisa de ajuda. Quem sofre, nem se fala. Muitos casos terminam em suicídio. Chorei há pouco tempo ao saber que um menino de sete anos, nos Estados Unidos, cometeu suicídio porque tinha dentes separados e para a frente. Precisa haver mais respaldo da escola, parceria com os pais. Que chamem psicólogos e profissionais para ajudar a lidar com o problema”, conclui Soraia, que está disponível para palestras (@soraiaaspm/instagram).
Educação defende esforço conjunto
Em nota, a Secretaria Municipal da Educação de Ribeirão Preto lamentou profundamente o ocorrido no dia 23 de maio, na EMEF Profº Dr. Waldemar Roberto. “Cabe esclarecer que não procede a declaração do pai, quando ele cita que procurou a escola por 10 vezes, segundo os próprios registros, no dia 23 de maio foi a 2ª vez, onde foi explicado sobre as apurações”, destacou a SME.
Considerando a violência um problema social e de segurança pública, a secretaria entende que isso exige esforço conjunto de toda a sociedade para ser combatida, principalmente porque a escola é um espaço de todos e deve ser ambiente de convivência e harmonia.
“Nossas ações incluem a formação contínua dos gestores e professores sobre o tema, formações estas que são repassadas aos alunos em sala de aula. A Pasta também conta com uma equipe especializada em resolução de conflitos, além da parceria com a Justiça Restaurativa. A Secretaria também solicitou apoio da Guarda Civil Metropolitana, que irá acompanhar as entradas e saídas dos alunos”, encerra a nota.
FOTO 01
Pesquisa DataSenado aponta que 6,7 milhões de estudantes brasileiros sofreram violência no ambiente escolar
(Foto: Reprodução)
FOTO 02:
Descontrolado, pai vira a mesa da diretora em escola de Ribeirão Preto por bullying sofrido por seu filho
(Foto: Reprodução)
FOTO 03:
Ana Paula, da SOS Bullying, diz que 100% das escolas brasileiras sofrem com a violência, praticada também pela internet, 24 horas por dia, sete dias por semana
(Foto: Divulgação)
FOTO 04:
Sheyla e a filha Ana Luísa: da violência praticada em escolas particulares, surgiu o projeto Fada, que auxilia no acolhimento a outros pais e crianças
(Foto: Divulgação)
FOTO 05:
Soraia, que ministra palestras em escolas: “síndrome de Down não é contagiosa”
(Foto: Divulgação)