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Cartografia e Literatura: mapas dos mortos e saber filosófico

Isolado das grandes rotas de invasões, o Egito, “dom do Nilo”, nas palavras de Heródoto, também a este rio teve pautado seu trabalho cartográfico. À medida que suas terras eram inundadas por aquele, só as cidades eram percebidas na superfície de suas águas. Estas inundações periódicas, ao cobrirem os limites dos cam­pos, reclamavam formas de se poder restabelecer os limites anteriores às mesmas. Logo, cuidadosos registros cadastrais, verdadeiras cartas cartográficas, foram iniciados por seu povo. Por sua vez, por ocasião de o império dos faraós ultrapassar os limites do vale, estendendo-se até a Palestina, ocasionou-se o nascimento de sucessivos reinos mesopotâmicos que, tal como na Babilônia, fez emergir uma cartografia própria, com fins tributários e militares. Um exemplo? O mapa regional, identificando as minas de ouro da Núbia (1330 a.C), que serviu de base e instrumento para Erastótenes calcular a distância entre Siena (Assuã) e Alexandria, “escolhida como ponto de partida para a medição do grau do meridiano”.

Inquietos com a dubiedade de uma vida futura, seus sarcófagos e seus papiros trazem, em geral, diversas re­presentações policrômicas, verdadeiros planos-guia para os viajantes do além-túmulo. Estes mapas dos mortos trazem representados os Campos da Morte, tal como preconizados pelos egípcios, sem que neles falte o rio Nilo e suas margens repletas de camponeses com suas juntas de bois promovendo a fartura da terra. Em Heródoto, novamente, há informações sobre o faraó Sesóstris, em sua campanha militar da Cítia, ter se valido de mapas dos territórios ocupados, bem como, sobre o regresso vitorioso de Seti, rei da XIX dinastia (1312-1298 a. C.), cujos triunfos militares no caminho de Pelusium a Heliópolis, com o Nilo com crocodilos e o lago Tiumsá com peixes, também se encontrarem registrados em papiros, conservados, até hoje, no Museu Egípcio de Turim.

Grande parte do sistema cartográfico contemporâneo tem sua origem nos achados das escolas jônica, ateniense e alexandrina. Na literatura, Homero, primeiro testemunho cartográfico helênico, deixou em sua obra múltiplas referências do universo da época. Tanto na Ilíada quanto na Odisséia, alusões constantes aos marcos em que se desenvolvem as ações estão presentes. O contorno geográfico das lutas troianas é evocado no canto XVIII da epopéia, com a Terra sendo descrita como uma imensa ilha flutuante sobre um rio gigantesco – o Oceano – cujas fronteiras limitadas têm o mar Egeu e suas pequenas ilhas como centro. À sua direita as costas jônicas. À sua esquerda, o território heleno. De acordo com especialistas, “Semelhante concepção do mundo teve o autor Hesíodo, em Os trabalhos e os dias, o que lhe tornou um continuador da tradição homérica. Nesta obra, que trata do mundo dos mortais e de sua organização, encontram-se a célebre história de Prometeu, que tirou o fogo do concílio dos deuses, e o mito de Pandora, além de conselhos práticos e calendários sobre a agri­cultura, navegação e conselhos morais.

Dos relatos de Heródoto e de Estrabão também se sabe que, em Mileto, como conseqüência das hipóteses cosmológicas jônicas, ocorreu um notável progresso geográfico, com resultados peculiares para a cartografia. Tales de Mileto (639-548 a.C), educado no Egito e criador da reflexão pré-socrática, conhecia os diferentes modos de encontrar a latitude pela altura meridional do Sol ou pela distância das estrelas ao pólo boreal. “Tales acreditava que a Terra era o resultado da acumulação de matéria, cuja origem estava na água, fonte de todas as coisas, e sobre a qual permanecia em forma discoidal”. Reflexão, esta, que rompia com as concepções míticas de então, abrindo espaço para as bases de futuras investigações científicas. Seu discípulo Anaximandro (610-546 a.C.), que viria a ser o primeiro cartógrafo jônico, concebia a estrutura terrestre parecida a um cilindro, cuja altura era um terço da largura. Mas discordava do mestre ao supor que a Terra não flutuava sobre a água, mas, sim, mantinha-se sem suporte nem apoio, e graças a estar em igual distância dos demais corpos, em perfeito equilíbrio no espaço. Afirmações que foram seguidas até a revolução de Copérnico.

No século V a. C, a cartografia grega atinge novas conquistas. Dicearco (350-290 a. C), discípulo de Aristó­teles, cria um sistema simplificado de coordenadas geográficas que consistia no traçado de uma linha diretriz, chamada diafragma, eqüidistante do Sul e do Norte, que dividia a Terra em uma parte setentrional e outra meridional, aproximadamente iguais. Alongando-se de Oriente a Ocidente, esta linha passava por Cádiz, Sicília, o Peloponeso e a Ilha de Rodes. Outra linha, perpendicular, cruzava a Terra de Norte a Sul, à altura desta última. Ambas, divididas em “estádios”, geravam uma circunferência total terrestre de dimensão equivalente a 300.000. Esta carta marca um progresso indiscutível que possibilitará o desenvolvimento da Cartografia na época de Ptolomeu, autor dos estudos de astronomia mais importantes produzidos antes de Copérnico e Galileu.

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