Adriana Dorazi – especial para o Tribuna Ribeirão
Com a popularidade crescente das apostas e jogos de azar, realizadas por meio de plataformas eletrônicas e impulsionadas pela divulgação nas redes sociais, o público idoso tem sido exposto a um conjunto de novos riscos financeiros e sociais. Pensando nisso, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) atualizou neste mês a “Cartilha de Apoio à Pessoa Idosa: enfrentamento à violência patrimonial e financeira”, com orientações detalhadas sobre os perigos associados às apostas online, popularmente conhecida como “bets”.
Segundo a publicação a prática envolve diversos riscos financeiros e sociais, sendo o vício um dos principais problemas, já que a ideia de ganhar dinheiro facilmente é ilusória e pode levar à dependência, com muitas pessoas utilizando recursos essenciais, como os destinados à alimentação e à moradia, para apostar. Há também o risco de fraudes e manipulações em apostas online, incluindo o roubo de dados pessoais, o que pode resultar em outros tipos de golpes. Em termos emocionais, as apostas podem causar crises de ansiedade, depressão e isolamento social, prejudicando o convívio familiar e social.
Cartilha na mão
A atualização da cartilha do MDHC busca orientar idosos e familiares a reconhecerem situações de risco e se protegerem de golpes financeiros, tanto no ambiente físico quanto no virtual. Além disso, traz orientações sobre como proceder diante de uma situação de violência patrimonial, com informações sobre canais de denúncia e formas de proteção.
De acordo com a advogada Taisa de Sousa Godines, com atuação na área de família e sucessões no escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, a violência patrimonial acontece quando existe usurpação de bens ou dinheiro do idoso. Essa apropriação poderá ocorrer sem o consentimento da pessoa idosa ou com o seu consentimento, seja em virtude da falta de conhecimento e de informações ou através de ameaças e violência psicológica.
“É necessário que se reconheça a vulnerabilidade da pessoa idosa sem estigmas, visando garantir ambiente seguro, digno e com a garantia dos seus direitos previstos constitucionalmente e no Estatuto do Idoso. É fundamental a promoção de políticas públicas, o suporte dos membros da sociedade e a disseminação de informações para conscientização com o objetivo de salvaguardar a pessoa idosa”, comenta.
Taisa ressalta que a relação entre usuário e as plataformas de apostas online e venda de jogos é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, portanto, é possível que a vítima de práticas abusivas busque o ressarcimento dos valores perdidos através da aplicação da legislação consumerista. “No cenário atual a família que busca o ressarcimento ou reembolso de valores perdidos poderá encontrar dificuldades de concretizar a tutela pretendida, mesmo pela via judicial, em virtude das diversas ambiguidades que ainda permeiam o tema”, lamenta.
Segundo a advogada, depois da recente proibição, as Bets que não foram autorizadas a atuar no país foram notificadas, com o objetivo de que os consumidores fossem ressarcidos dos valores constantes das plataformas. “A ausência de reembolso poderá ocasionar, inclusive, a responsabilização solidária das empresas de meios de pagamento”, aponta.
De acordo com dados de organizações nacionais de apoio à pessoa idosa, houve aumento significativo no número de denúncias envolvendo perdas financeiras decorrentes de apostas nos últimos anos.
Vício e doenças mentais
Além da cartilha trazer orientações de como desconfiar de promessas de ganhos fáceis, não compartilhar informações financeiras online e buscar orientação antes de fazer qualquer investimento em plataformas digitais, também há aspectos de saúde pública envolvendo essa população.
O material destaca os impactos do isolamento social na vulnerabilidade dos idosos. Muitos se voltam para as apostas online como uma forma de passatempo ou de compensar a solidão, o que pode agravar a situação e resultar em perdas significativas, não só financeiras, mas também emocionais.
O médico Geriatra e Nutrólogo Nelson Iucif Junior, coordenador do Núcleo de Atendimento Geriátrico da Unimed Ribeirão Preto, relata que um dos problemas mais comuns enfrentados pelos idosos é o isolamento social. “Muitos acabam vivendo sozinhos ou apenas na companhia de seus cônjuges, o que não impede o sentimento de solidão. Sem conversas ou distrações adequadas, muitos buscam alternativas para preencher esse vazio”, explica.
Entre essas alternativas, as apostas online se tornam atrativas, principalmente devido ao apelo de um ganho fácil, que exerce uma grande atração sobre as pessoas. A ilusão de ganhar dinheiro rapidamente acaba seduzindo. “O maior perigo é o vício que esses jogos podem provocar. Muitos idosos começam a se entreter com esses jogos e, com o tempo, desenvolvem comportamento compulsivo. Inicialmente, eles usam recursos financeiros que estão ‘sobrando’ mas, com o agravamento do vício, acabam comprometendo dinheiro destinado a necessidades essenciais, como alimentação, moradia, medicamentos e tratamentos de saúde”, completa.
De acordo com Iucif, a família precisa estar atenta ao comportamento do idoso, principalmente em relação ao tempo que ele passa no computador ou em outras atividades online. “É importante perguntar o que ele está fazendo quando está conectado, acompanhar de perto para verificar se está envolvido com apostas. Pequenas ações, como monitorar se as despesas essenciais estão sendo pagas, podem ajudar a identificar problemas antes que se agravem. O principal ponto é manter a atenção constante”, alerta.
Para o médico a regulamentação desses jogos e apostas online é necessária principalmente para proteger os mais vulneráveis. Famílias, sociedade e autoridades governamentais precisam estar atentas para evitar esses impactos negativos e frustrantes na vida dos idosos, que merecem cuidado e atenção especial.
Importância da conscientização
Os especialistas reforçam que em conjunto com a divulgação dessa cartilha, é fundamental promover campanhas de conscientização sobre os perigos das apostas online e os direitos das pessoas idosas. A popularização de informações claras e acessíveis pode ajudar a prevenir casos de violência patrimonial e incentivar os idosos a buscarem ajuda sempre que necessário.
A cartilha atualizada já está disponível para download nos sites de órgãos de defesa dos direitos dos idosos e em centros de apoio social. Para mais informações, o MDHC recomenda acessar os canais oficiais de orientação e apoio, onde é possível obter ajuda e esclarecimentos sobre como agir em casos de suspeita de violência patrimonial. Cartilha: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/pessoa-idosa/publicacoes/Cartilha_da_Violencia_Patrimonial___SDDPI___Outubro2024.pdf