Os autores João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro são o que há de melhor no mundo do samba, me encanto com a obra deles. Revisito e as espalho por onde canto, vivo viajando no que o poeta escreveu. João criava a melodia e Paulo Cesar a vestia de poesia.
Num tempo em que nenhum cantor da noite de Ribeirão Preto cantava músicas de João Nogueira, eu passeava por seu repertório com desenvoltura. Minha voz é grave, bem próxima da dele, me dei bem cantando sua obra e de outros cantores desta praia. A voz grave nos dá o privilégio de não ser necessário esgoelar, mas sim saber colocar bem a voz cantando num tom em que a gente se sinta bem.
Deus me presenteou com graves, médios e agudos na voz. Quando preciso, procuro o grave lá em baixo e passo pelo médio, e vou lá no quinto andar buscar o agudo. Cantando nessa região de tons graves, cantei muito Roberto Ribeiro, Agepê, Fagner, Jorge Aragão e outros bambas.
Outro letrista pra quem tiro meu chapéu é Ney Lopes, compositor e cantor carioca. Compôs um samba de breque com João Nogueira que adoro cantar. Chama-se “Baile no Elite”. Quem gravou com João foi a Orquestra Tabajara, famosíssima no Brasil inteiro e que tocava na gafieira carioca “Elite”, que inspirou Ney Lopes na letra.
Na última vez em que fui ao Rio de Janeiro, quando estávamos lá no alto do Corcovado, junto ao Cristo Redentor, local de onde se vê quase que a Cidade Maravilhosa inteira, nossa guia Claudia, Flamengo de carteirinha, dona de conhecimento e cultura invejável e que trabalha junto ao Sesc, onde estávamos hospedados, nos mostrava cada detalhe da cidade.
Eu, muito interessado, perguntei onde ficava o Campo de Santana que Ney Lopes cita na letra de “Baile no Elite”, e ela, daquela altura, saciou minha vontade de saber coisas que havia lido. Dali mostrou-me tudo do Rio maravilhoso, fechei os olhos e me vi dentro da poesia deste maravilhoso compositor Ney Lopes.
Ele diz na letra que lá do Campo de Santana já ouvia os metais de Macaxeira e Zé Bodega dando vida à voz de Jamelão, um primor de composição. Quem tiver a oportunidade, visite a obra dele, mais um grande brasileiro. Compõe, canta e também é escritor e poeta – o samba “Gostoso veneno”, na voz de Alcione, é dele.
“Espelho”, música de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro, canto por onde vou. Sócrates frequentava, em São Paulo, o bar do humorista Serginho Leite – que também cantava. Certa noite, quando saímos do show de Rita Lee, fomos a este bar e, ao entrarmos, tipo às duas da manhã, o lugar estava lotado. E quando nos acomodamos, o Magrão disse ao Serginho: “Este é o Buenão, de quem sempre comento contigo, Serginho”.
Ele abriu enorme sorriso, arrastou-me com ele até o palco, jogou um violão em minhas mãos, pegou outro de sete cordas e disse: “Buenão, cante ‘Espelho’”. Mandei ver. Ele fazia os baixos perfeitos como Dino 7 cordas. Quando terminei, ele disse pra eu continuar a cantar João Nogueira, e fui levando. Chegaram vários bilhetes pedindo músicas e entre eles um que dizia: “Por favor, repita ‘Espelho’.”
Olhei pro Serginho Leite e falei: “Pô, Serginho, não gosto de repetir músicas que acabo de cantar”. Ele viu no bilhete o número da mesa e mandou essa: “Buenão, olha só quem pediu.” Olhei e não reconheci quem era. Serginho disse: “Cara, é o maestro Téo de Barros, que compôs ‘Disparada’ com Vandré e Eduardo Gudin, autor de ‘Verde’.” Olhei pra mesa deles sorrindo, acenei a cabeça e cantei “Espelho” como nunca… (risos)
Sexta conto mais.