A Câmara de Vereadores deve votar na sessão desta quinta-feira, 4 de julho, a proposta do Executivo que prevê a ampliação de convênios com Organizações Sociais (OS’s) da área da educação com o objetivo de aumentar o número de vagas na primeira etapa da educação básica, a chamada educação infantil. A prefeitura pretende criar, até o segundo semestre do próximo ano, 2.509 vagas em regime de parcerias.
O projeto entrou na pauta da sessão desta quinta-feira porque, na de terça-feira (2), os vereadores aprovaram o pedido de urgência feito por Maurício Gasparini (PSDB). A matéria só não será levada ao plenário caso a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) não dê parecer ou emita parecer contrário.
Se for aprovada, possibilitará a qualificação de entidades constituídas sob a forma de fundação, associação ou sociedade civil, com personalidade jurídica de direito privado e sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas à educação. Deverão atuar especificamente no atendimento de creche e pré-escola.
Segundo a prefeitura, o projeto está fundamentado na lei federal nº 9.637/1998 – possibilita que as instituições privadas, qualificadas como Organizações Sociais de Educação, atuem em parceria com o município, colaborando de forma complementar na execução de atividades do ensino infantil. Ou seja, crianças de zero a três anos e de quatro a cinco anos.
Outra exigência estabelecida no projeto é de que as organizações selecionadas atendam somente aos usuários da lista de espera da Secretaria Municipal de Educação. Todas as matrículas devem ser efetuadas pelo sistema único do município. As Organizações Sociais de Educação também serão submetidas ao controle externo da Câmara.
O Legislativo fará o acompanhamento com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), ficando o controle interno a cargo do Executivo. O contrato de prestação de serviço terá duração de dois anos com supervisão e controle interno do Conselho de Administração Municipal. Atualmente, a rede de ensino de Ribeirão Preto atende 11.957 crianças de zero a três anos e 10.779 de quatro a cinco anos na educação infantil.
Ações judiciais
O Ministério Público Estadual (MPE), via Promotoria da Educação, e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo estão atentos à falta de vagas em creches e escolas municipais. Até o final do ano passado eles já haviam protocolado 340 ações – com pedido de liminar – contra a prefeitura de Ribeirão Preto para garantir a matrícula em creches e escolas de educação infantil da rede municipal de ensino. Cada ação agrupa dez alunos, totalizando 3.400 crianças.
Nas ações, o Grupo de Atuação Especial em Educação (Geduc) solicita o cumprimento imediato da sentença que prevê o oferecimento de vagas em creches municipais, conveniadas ou particulares, caso não exista opção para as duas primeiras alternativas. O total de 3.400 vagas necessárias foi levantado pela Promotoria de Ribeirão Preto com base no Cadastro Único da Secretaria Municipal de Educação (SME).
Segundo o promotor da Educação, Naul Felca, a decisão de judicializar a falta de vagas foi provocada “pelo descaso da administração municipal em não atender às solicitações do Ministério Público e de não estabelecer um cronograma para zerar a fila de espera. Estamos trabalhando para garantir estas vagas e zerar a fila de espera”, afirma. Em recente reunião na Câmara de Vereadores, realizada pela Comissão Permanente de Educação, o secretário da pasta, Felipe Elias Miguel, afirmou que até o próximo ano serão criadas 4.048 vagas em creches, duas mil na pré-escola e 800 vagas no ensino fundamental.
Destas, 990 já foram criadas na pré-escola e 908 estão em fase de entrega, assim como 600 vagas na pré-escola. Felipe Miguel divulgou também a contratação de 97 professores efetivos, a criação de mais 130 cargos de PEB III, sendo 80 de Arte e 50 de Educação Física e a previsão de contratação de, pelo menos, 45 professores temporários. Dos novos professores, 59 já estão em salas de aula, enquanto os demais solicitaram o adiamento de posse e iniciarão as atividades na primeira quinzena de julho.
Na audiência o secretário apontou que houve aumento de 15,8% no número de professores e servidores da Secretaria da Educação, de 2.820 em 2014 para 3.267 neste ano, 447 a mais. Já o número total de servidores cresceu 10,3%, de 3.646 para 4.021, aporte de 375 no mesmo período. É importante ressaltar que a rede municipal já possui contrato com OS’s que atuam na pasta, atendendo a 2.5 mil alunos em creches, 412 na pré-escola e 373 na educação especial.
Sindicato promete recorrer à Justiça
O Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto, Guatapará e Pradópolis (SSM/RP) é contrário às parcerias da Secretaria Municipal da Educação com as Organizações Sociais e já protocolou uma petição na Câmara – com cópia para os 27 vereadores – manifestando sua posição. Nesta quarta-feira, 3 de julho, anunciou que vai impetrar ação judicial contra a medida caso o projeto seja aprovado em plenário. O objetivo é obrigar a administração municipal a convocar os professores aprovados em concurso público.
Segundo o Sindicato dos Servidores, a contratação de professores via Organizações Sociais é medida que não se apoia em dados concretos e devidamente comprovados documentalmente, não existindo um único estudo do governo que indique ou que legitime a referida contratação. A entidade está convocando educadores já classificados e ainda não convocados para que assinem (sem custo) a ação coletiva em defesa da validade do concurso. Devem enviar uma mensagem de texto com o nome completo e a palavra “concursado” para o WhatsApp do SSM/RP– (16) 98158-0366 – e aguardar a resposta com informações sobre o atendimento.
Já no documento enviado aos vereadores, o presidente do sindicato, Laerte Carlos Augusto, afirma que o governo Duarte Nogueira Júnior (PSDB) não quer viabilizar um processo educacional onde todas as crianças de Ribeirão Preto, independentemente de sua situação econômico-financeira ou familiar, possam receber a mesma qualidade de conteúdo pedagógico. De acordo com o sindicalista, “o governo quer direcionar educação de baixa qualidade para os bairros mais pobres” e oferece uma solução simplista para um desafio complexo.
“Eu não sei o problema de quem o governo quer resolver com a simples transferência de gestão das escolas públicas para as OS’s. Eu sei que o problema da falta de vagas no ensino municipal o governo não vai resolver. E ainda vai criar outro: ao invés de adotar medidas para garantir a igualdade na aprendizagem das crianças, vê como solução aumentar ainda mais a disparidade”.
A entidade também demonstra que, sob o aspecto jurídico, a ausência de uma série de medidas para adequar o processo de terceirização da educação às diretrizes legais e constitucionais tornam o projeto das OS’s inconstitucional e ilegal.
Na manifestação enviada aos vereadores, o sindicato ressalta que a prefeitura não juntou ao projeto estudos – detalhados ou não – que demonstrem as vantagens da contratação via OS’s. Ainda segundo o documento, “não há garantias de respeito à publicação de editais que atendam as etapas prévias e tenham informações pormenorizadas, sem cláusulas que restrinjam a competitividade ou direcionem o processo. Não há previsão de providências efetivas relacionadas à elaboração e à fiscalização dos contratos e à transparência da gestão. Não há previsão de indicadores quantitativos de atendimento com parâmetros de qualidade”.
Segundo secretário da Educação, Felipe Elias Miguel, caso o projeto de lei 134/2019 seja aprovado, a pasta passará a utilizar as OS’s para gerir sete unidades de educação infantil municipal, o que representa a criação de 2.509 vagas, sendo 1.409 em creche e 1.100 na pré-escola. “Ao mesmo tempo, essa iniciativa irá contribuir para que as famílias possam trabalhar e tenham a segurança de que seus filhos estarão na escola”, ressalta.
Exigências
A Secretaria da Educação diz que a contratação das OS’s para a gestão da educação segue uma série de exigências para garantir a qualidade de ensino e a proteção aos alunos. As entidades deverão controlar experiência mínima de cinco anos em educação infantil. Além disso, a composição dos dirigentes da entidade contratada deverá incluir membros do poder público, da sociedade, da entidade em si, e profissionais de notório saber em educação.
Os professores e gestores contratados pelas entidades deverão ser celetistas, com todos seus direitos garantidos, e participarão do Programa de Formação Continuada dos Docentes da Rede Municipal, sendo acompanhados pelo Centro de Acompanhamento Avaliação e Formação (Caaf), além de receber assessoria pedagógica in loco pela Secretaria Municipal da Educação. “O atendimento à demanda seguirá os mesmos critérios adotados pela rede municipal e será acompanhado pelos supervisores da secretaria”, diz Miguel.
“Também é importante ressaltar que as futuras vagas oferecidas serão gratuitas e em exatas condições com as já oferecidas, em prédios novos. Os alunos receberão, normalmente, uniforme, material escolar, material didático, brinquedos e estrutura escolar de qualidade”, reforça o secretário. A alimentação escolar será disponibilizada pelo poder público municipal, com o mesmo cardápio e controle nutricional exercido pelos profissionais do Departamento de Alimentação Escolar.
Além disso, se aprovado o projeto, as OS’s terão contrato de apenas dois anos, permitindo a avaliação do desempenho e resultados apresentados. Ribeirão Preto possui 34 centros de educação infantil e 41 escolas municipais de educação infantil. Só no ensino fundamental, são 26 Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emefs) e três Centros Municipais de Ensino Integrado (Cemeis).
Também conta com duas Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio (Emefem), uma Escola de Ensino Profissional Básico, um Centro de Educação Especial e Ensino Fundamental, e atendimento de turmas de Educação Jovens e Adultos (EJA) no formato presencial e ensino à distância. São cerca de 47 mil alunos matriculados, distribuídos entre educação infantil, ensino fundamental, educação especial, educação profissional básica e educação de jovens e adultos.
Terceirização para OS fere a Constituição, diz educador
O professor Fábio Sardinha, diretor estadual da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e representante da entidade na comissão que elaborou o Plano Municipal da Educação, afirma que a terceirização na educação é um desrespeito à lei de contratação por concurso público e um descaso com a cidadania. Ele também fundamenta sua oposição à proposta do Executivo, baseado em parecer feito a seu pedido para a advogada Maria Claudia Canale.
Segundo ele, a educação de crianças é uma obrigação continuada e previsível da administração municipal. “Inclusive o Plano Municipal de Educação que se arrasta desde 2015, consta que é preciso ampliar a oferta de vagas nas CEIs e universalizar as matrículas na pré-escola e nas escolas municipais, fortalecendo políticas públicas permanentes”, diz.
Sardinha argumenta também que o contrato temporário precariza as relações e as condições de trabalho da categoria sejam nas escolas de educação infantil ou nas de ensino básico. “É um retrocesso para os direitos trabalhistas e para o próprio direito à educação na nossa cidade. A proposta já nasce ilegal como outras iniciativas viciadas dessa gestão, de alterar o plano municipal de educação sem passar pelo crivo do debate democrático e conselho municipal da educação”, explica.
Sardinha finaliza enfatizando que “além de representar a supressão dos direitos dos trabalhadores, a terceirização também compromete a própria qualidade da educação, visto que o projeto pedagógico de cada escola depende da ligação direta e forte com os trabalhadores das instituições. A Constituição Federal de 1988 previu a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, direito fundamental das crianças, que pontualmente deve ser garantido diretamente pelo Município”, conclui.