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Caco Ciocler reflete sobre o papel do artista em tempos difíceis

Por Danilo Casaletti, especial para AE

Caco Ciocler confessa que, passados noves meses de quarentena, o tédio começou a bater. Mas o sentimento não foi de todo o mal. Rendeu um filme que está em processo de edição e que deve ser lançado em breve. O ator, de 49 anos, faz mistério sobre o tema, mas o documentário foi filmado na pandemia e tem a ver com ela. “Ele só faz sentido se for lançado durante a quarentena. Torço pela a vacina, mas o filme precisa sair primeiro”, brinca, em entrevista por telefone.

O enfado de Ciocler não é por falta de trabalho. Na metade do ano, ele se ocupou com Partida, um híbrido de documentário e ficção que dirigiu. O longa ganhou a Biznaga de Plata de melhor documentário no Festival de Málaga, na Espanha, e venceu o Grande Prémio Vicente Pinto de Abreu no festival Porto/Post/Doc, em Portugal, e mostra um grupo que parte para o Uruguai com o objetivo de encontrar o ex-presidente Pepe Mujica em dezembro de 2018.

Na última semana, chegou às plataformas o longa Boni Bonita, em que Ciocler está presente como ator. Dirigido pelo brasileiro Daniel Barosa, a ficção é uma coprodução Brasil e Argentina e traz o ator como Rogério, um músico que passa por uma crise de criatividade e vive um romance conturbado com uma menina de 17 anos, interpretada pela atriz argentina Ailín Salas.

Entre todas essas ocupações, e dos preparativos para terceira temporada da série Unidade Básica, em que ele atua como ator e diretor, Ciocler começou uma faculdade de Biologia a qual ele acaba de concluir o primeiro ano. “Eu acho uma delícia recomeçar”, diz.

Você começa a colher prêmios do filme Partida. O que eles significam para você como diretor?

Como sou um diretor novato – esse é meu segundo filme -, e o mais autoral, esses prêmios me dão um norte artístico: fiz algo que alcançou o público, no Brasil e fora dele. Nunca pensei que ele fosse ser compreendido fora do País. Não por ser de difícil compreensão, mas pela discussão que ele representa, que é tão brasileira. Além disso, traz a confirmação de que fizemos uma obra potente para o País e o cinema. As pessoas também começam a me reconhecer como diretor.

Era algo que você ansiava?

Sim. Meu objeto era partir para a direção. Dá um alento e uma confirmação que eu tenha uma linguagem própria, uma certeza de caminho. Tanto que, por conta desses prêmios, eu já estou fazendo meu próximo filme.

E do que ele trata?

Eu não posso falar muito sobre ele. Posso dizer que foi filmado durante a pandemia, todo de maneira remota, e é um aprofundamento dessa brincadeira entre realidade e ficção. É um filme simples tecnicamente. Não gastei um tostão, não tem edital Gastei, na verdade, R$ 3 mil, para pagar o editor. Agora começa a procura de uma produtora que se interesse por ele. Acho que ele é mais potente que o Partida. Estou feliz e louco para lançar o mais breve possível porque ele só faz sentido se for lançado na quarentena. Torço pela a vacina, mas o filme precisa sair primeiro (risos).

Em seu discurso de premiação no Festival de Málaga, disse que o filme veio em um momento que se ouvia muitos “nãos” no Brasil. Dois anos depois, em que momento o País está?

Todos nós, ou a maioria, entendemos, que não é possível, e não só no Brasil, viver nesse eterno Fla-Flu. É preciso fixar uma utopia em comum e ir em direção a ela. No discurso é isso. Porém, na prática, precisamos aprender a ouvir o diferente. A gente cobra muito que o diferente nos ouça, mas não queremos ouvir.

Nesse mesmo discurso, você disse que o filme foi feito de “sins”, com o espírito de coletividade. A pandemia e a dificuldade que trouxe para a classe artística, é um momento propício para união. Ela aconteceu?

No geral, sim. Vi grandes movimentos de conscientização, muitas campanhas para socorrer teatros, técnicos e todo o entorno. Vi vários artistas preocupados com seu time. As lives, por um lado, encheram nosso saco, mas salvaram a vida de muitos. A classe artística estava sendo muito atacada e veio um movimento avesso, que é uma grande procura pelos livros, filmes, séries e músicas. O ser humano voltou a ter medo de morrer. A gente estava numa pegada de tanta certeza da vida, violenta, que a arte, de fato, não estava servindo para nada além da distração. A partir do momento que as pessoas precisaram se trancar em casa, e tudo ficou incerto, a arte voltou a fazer sentido, a ser importante. Ela se faz na incerteza. As pessoas voltaram a sonhar, a vislumbrar outra existência, que não a banal e cotidiana. Posso dizer que estamos com sangue nos olhos para voltar ao teatro, que é o lugar do abraço, do encontro, do suor.

Você apresentou uma peça online, Medusa, a convite do Sesc. Como foi a experiência? Esse teatro é possível?

Foi um horror. O teatro não aconteceu. Ele não acontece sem plateia, ela faz parte do jogo teatral. É uma conversa, não dá para fazer algo independente. Foi a coisa mais solitária que fiz na vida. Não sabia o que eu estava fazendo, como estava chegando nas pessoas. Foi angustiante. Tem companhias pequenas que se apresentavam para 40, 50 pessoas que fizeram para 4 mil, 5 mil e foi legal para elas. Porém, as apresentações que vi não passaram de uma tentativa de encaixar uma coisa na outra. É um teatro tentando ser filmado. Embora, empregou muita gente e levou o teatro a muitas pessoas.

O longa Boni Bonita, que chega às plataformas, é de baixo orçamento. Por que apostou nele?

Adoro trabalhar com diretores novos. Era uma coprodução Brasil-Argentina, com uma atriz de lá, e eu sou fanzaço do cinema argentino. É nossa obrigação, se a gente pode e gosta do roteiro, de fazer algo pelos diretores novos, estreantes, se colocar à disposição deles. Mas, confesso, o que mais me encantou foi a possibilidade de fazer algo para o cinema argentino, essa possibilidade de brincar de ser um argentino no filme. Tentei ser o Darín (Ricardo, ator argentino).

Entre outras questões, o filme também aborda o machismo, o relacionamento tóxico. Como você enxerga essas questões?

Engraçado. Logo nas primeiras entrevistas eu fiquei bem surpreso de as pessoas falarem disso. Não achava que o filme era sobre isso – é bom deixar claro que eu já o fiz há álbum tempo. Pedi para rever. Vi esses elementos, mas ele não é apenas sobre isso. O Mujica fala sobre isso de maneira brilhante. Estamos em direção a evolução em vários assuntos. São degraus que temos que subir. A humanidade está aprendendo, nós homens estamos aprendendo, a duras penas, as mulheres estão aprendendo, o árduo caminho da consciência humana desse lugar de machismo e de relações tóxicas. Estamos investigando e reconhecendo como somos machistas. Eu aprendendo todo dia, apanho todos os dias, levo muita bofetada boa.

Você escreveu algo parecido no post em solidariedade à atriz Dani Calabresas, que a coragem dela pode ensinar a todos…

Exato. O que ela fez foi expor uma situação na qual todos nós aprendemos. Isso fez com que as pessoas envolvidas, as que estavam em volta, a empresa, as demais empresas, os brasileiros, todos avançaram um degrau na evolução humana.

Sua quarentena tem sido produtiva ou se deparou com questões pesadas do isolamento?

Comecei a sentir tédio há dois meses. O começo foi muito produtivo. Criei a Lista Fortes e isso me tomou tempo, fiquei enlouquecido. Nesse período, comecei a cursar a faculdade de Biologia. Também fiz aquelas coisas que muitos fizeram: aprender a cozinhar, a plantar, reformei a casa. Fui jurado do Festival de Gramado, do Festival de Aruanda. Mas, nesses tempos, estou mais tristinho e pensei: isso é o isolamento! Foi quando fiz meu novo filme.

Qual o balanço que faz da Lista Fortes? Ela ainda está ativa?

Ela cumpriu seu papel, mas as empresas não estão doando mais, a pandemia foi para um outro lugar. Quis reformular. Uma ONG ambiental me ligou para fazer uma fusão. Provavelmente vamos criar um prêmio Lista Fortes que vai pontuar as empresas engajadas com as questões ambientais. Queremos que o consumidor vá ao supermercado com uma lista de compras e com a Lista Fortes para saber de quais empresas ele pode comprar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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