Estava esta semana com meu violão nos braços, gosto muito de usar as cordas fazendo baixaria, quando bateu uma saudade imensa do grande amigo Caburé. Ele fazia das cordas de seu violão o que lhe dava na telha. Em suas mãos o pinho parecia ter mais cordas, além das seis.
Andei muito com ele pelas noites. Hoje saio algumas vezes com Jacaré, sobrinho dele que considero um irmão: está sempre de bom humor, sua companhia é muito prazerosa. Aposentado como eu da Polícia Rodoviária e adorado por todos, ajudou muito a Caburé na reta final da vida.
Caburé era uma das grandes atrações noturnas de Ribeirão Preto, sempre cercado de endinheirados fazendeiros boêmios e boêmios sem grana.
Eu cantava com o ritmista Gersinho na Choperia Degraus, na avenida 13 de maio. Lotava de segunda a segunda. Certa noite, eu estava cantando e o garçom China me deu um toque. Um pessoal de Ituverava queria levar um lero comigo.
Disseram que estavam ali para me contratar pra cantar numa festa em Ituverava, era o aniversário de 70 anos do pai de um deles, e que meu repertório era o que estavam procurando, era o gosto do aniversariante. Na época eu não gostava de cantar fora e resolvi pedir alto, achando que eles iriam me descartar. Que nada. Bateram o martelo no ato.
A data da festa se aproximava, cruzei com Caburé e o convidei para ir comigo até Ituverava. Topou na hora e disse: “Buenão, não quero ganhar nada, só quero ir com você”. E lá fomos nós. O salão do clube estava lotado, desfilei um repertório da mais alta qualidade, cantei “Naquela mesa” que emocionou muitos presentes.
Caburé, sentado perto do palco, estava nos trinques. Unhas bem feitas, fumava usando uma piteira tipo Carlos Gardel, parecia um artista internacional, mas ninguém o reconheceu até eu chamá-lo para cantar. Subiu ao palco, mandou ver as canções do Altemar Dutra e arrebentou. Os convidados, em sua maioria fazendeiros que davam sempre uma fugida das esposas pra se divertir aqui em Ribeirão Preto, já estavam pra lá de Bagdá.
Eles reconheceram Caburé e aí, meu parceiro, o bicho pegou. Começaram a fazer pedidos, e a cada pedido atendido eles pagavam. Eu ia colocando o dinheiro numa sacola que só enchia, só notas altas. De repente, chegou um senhor e me perguntou se Caburé sabia cantar “Granada”?
Eu disse que sim, dei um toque pro Caburé e ele mandou “Granada” em espanhol, música muito difícil de cantar. Com as pontas dos dedos, ele batia no bojo do violão imitando castanholas. O cara vibrava de emoção. No final Caburé gritou “Olé”, como na música, e o cara gritou “Olé” junto. Depois, chorando, enfiou a mão no paletó, tirou um maço de dinheiro só com notas graúdas amarradas com borrachinha e deu pro nosso cantor. Ainda falou: “Meu presente pra você, Caburé, é pouco pelo que você me proporcionou. Fora da Espanha, nunca vi ninguém cantar essa música, muito obrigado.”
Tinha combinado com o festeiro que cantaríamos quatro horas, mas pelo andar da carruagem, vi que seria difícil pararmos e fomos levando. O contratante, muito feliz com o enorme sucesso, pediu pra gente continuar que dobraria nosso cachê. Só sei que o Sol já estava dizendo bom dia, colocamos os instrumentos no carro, nos despedimos e pé na estrada.
Caburé estava muito feliz e disse: “Buenão, eu vim de graça, só queria cantar com você, até porque nos conhecemos há tanto tempo e nunca tivemos um tempo pra gente cantar juntos como hoje. Foi uma grande noite, essa foi pra gente não esquecer. Depois, rindo muito, mostrou aquele maço de notas graúdas e mandou essa: “Nunca faturei tanto, podem ficar com a sacola de dinheiro e o cachê que eu fico com esse maço aqui (heheheheh)”.
Sexta conto mais.