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Bucólica

Moro num condomínio privilegiado, cheio de silêncios e de verde. Gosto de caminhar em suas alamedas sob o sol da manhã. Noutro dia, encontrei um jardineiro idoso, que me perguntou: “Tomando saúde, doutor?” Algumas vezes levo meu IPod com minhas músicas preferidas. Mas, gosto mes­mo é de ouvir os sons da natureza.

Pouco antes do clarear já se ouve o canto surdo e melancólico dos fogo-apagou. Em torno das sete, soa meu despertador: uma saracura começa a gritaria perto de minha janela. É incrível como uma ave pequena faz tanta estridência. Ao abrir as janelas, muitas vezes estão no gramado os três íbis verdes, que, com seus bicos compridos, procuram minhocas na terra recém irrigada.

Na caminhada, ouço ao longe o barulho dos papagaios e maritacas, numa sinfonia alegre. O campo gramado num dos cantos do condomínio é o território dos quero-queros, que procuram assustar os passantes com seus pios defensi­vos e, algumas vezes, quando nidificam, nos atacam em voos rasantes. Dividem a área com um bando de galinhas-de-an­gola, sempre em busca de insetos e curicacas, com seus bicos longos e seu branco sujo. O anu branco me fascina pelo seu formato, suas cores e sobretudo o topete atrevido que levanta.

Sabiás de todo tipo enchem o ambiente com seus cantos. Gostam muito de coquinhos. E a pequena corruíra saltita ignorando a presença humana. Há muitos cachorros, mas presos por exigência do condomínio. Algumas vezes, dois cãezinhos brancos e peludos escapam da casa onde moram, fazem um alarido e tentam mordiscar meu tornozelo.

Mas, basta recitar com gestos teatrais o início das Catilinárias; “Quousque tandemabutere, Catilina, patientianostra? (até quan­do, Catilina, abusarás de nossa paciência ?) e eles correm céleres de volta para a casa. Muitos gatos tomam também o sol matinal. Espreitam a minha aproximação com olhos fixos e vão se aga­chando conforme me aproximo. Como nada acontece, permane-cem olhando, mas retornam à posição normal.

Eventualmente, aparecem os tucanos. Identificam-se pelo som rápido de seu pio e escondem-se na folhagem. Depois, vão se aproximando em busca dos frutos vermelhos dos coqueiros. Numa manhã, contei nove empoleirados em nossa árvore.

Existe mesmo um gavião carcará, que faz ninho na ponta alta de uma árvore do vizinho, espantando os pássaros com seus voos e gritos.

O meu escritório em casa tem uma parede de vidro, que eu olho quando estou trabalhando. No antúrio em frente, pu­lulam sanhaços, sebinhos, saíras, gaturamos. No começo da tarde, enquanto almoçamos na varanda, é a vez dos bem-te-vis. Vem se banhar numa fonte movida a energia solar, fonte esta me faz pensar na enorme capacidade que temos com o sol pujante de Ribeirão Preto.

De vez em quando, o silencio é quebrado por um toc-toc constante: são os pica-paus, de todos tamanhos, cores e formatos.

No final da tarde, quando começa a escurecer, a mesma saracura se banha na piscina. É um ritual solene, que merece ser visto. Ela lava suas asas, limpa suas penas, com pescoçadas rápidas e eficientes. Arisca, ao menor barulho ou movimento, sai em desabalada fuga.

Tenho em minha casa uma parafernália técnológica, que me conecta com o mundo moderno e atual e que, sempre assesso­rado por meus netos, procuro manipular. Tornei-me mesmo um computador-dependente. Mas, o contato com a natureza me acalma, me abre as paredes de um mundo eterno, sempre em mudança, que nos ensina humildade e respeito.

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