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Brasília e o festim do coronavírus

Pasme, mas, até a última quarta-feira, metade dos infectados pelo coronavírus em Brasília estava dentro do Palácio do Planalto. Ali era o epicentro da epidemia que se irradiava para todo o Distrito Federal. Alguém pode imaginar que seja uma afirmação simbólica forte para se referir à tragédia brasileira, mas não. Pode ser também, mas é real. Os números estão aí. Pelo menos 22 pessoas da comitiva presidencial que participou do festim de Miami para lamber as botas de Donald Trump estão hoje com a doença. E já atingiu até ministros poderosos do bolsonarismo como o General Heleno, espalhando-se agora por outros poderes, como, no caso, o presidente do Senado.

Na manhã de quinta-feira, escrevo consternado este artigo aqui de Brasília. Consternado de ver as suas ruas e avenidas vazias, parques, escolas, shoppings, órgãos públicos, tudo fechado. Pouquís­simas pessoas transitando. Seus muitos eventos culturais, como a Via Sacra do Morro da Capelinha em Planaltina, cancelados. Estou recluso em casa. Ontem à noite, em meio aos panelaços contra Bolsonaro que por aqui foram ruidosos, me surpreendi com uma coletiva pela televisão, dada à tarde pelo presidente e seus ministros, todos de máscaras contrariando o protocolo mundial. Fiquei patéti­co. Tosco. Horripilante.

Sempre que o presidente abre a boca, ele só contribui para piorar ainda mais o ambiente geral do país. E desta vez não foi diferente. Se a coletiva tivesse acontecido num estádio, ele teria recebido uma estrepitosa vaia ao dizer que o governo “está ganhando de goleada”. Ganhando o quê? De quem? O dólar não para de subir, a Bolsa cai como nunca antes e as previsões de crescimento do PIB para este ano já beiram a zero. Isso para ficar nos indicadores diários da mídia ainda simpática ao neoliberalismo radical de Paulo Guedes. Na coletiva, Bolsonaro ainda teve a ousadia de pedir aplausos para si próprio, como “técnico da equipe”.

Para a jornalista Denise Assis, o destaque da entrevista foi: “a im­prensa não reconhece o nosso trabalho”, “Vamos fazer uma manifesta­ção do barulho às 21 horas” e “fui à rua sim. Era a minha obrigação”. E o pior. O seu recado ainda chega. Como chegou no domingo passado em Ribeirão Preto para algumas dezenas de imbecis, como uma manada obediente, que foi para a 9 de julho, atendendo à convocação do seu mito, mesmo com todas as recomendações médicas de não se aglomerarem por conta do coronavírus. E não foram ali para mani­festar solidariedade aos doentes ou ao pessoal da Saúde. Foram para a 9 pedir fechamento do Congresso e do STF, intervenção militar, e prestar apoio ao governo mais desastroso da nossa história.

“Como no filme ‘Um estranho no ninho’, onde um prisioneiro simula estar insano para ser transferido para um sanatório, tenho a impressão de que Bolsonaro também tenta iludir a população de suas deficiências intelectuais e de compreensão da realidade para justificar sua falta de capacidade administrativa”, escreveu Florestan Fernandes Jr., do Jornalistas pela Democracia. Bolsonaro procura sua base radical para se sentir fortalecido. A proposta autoritária é típica dos fracos que não tem envergadura e conhecimento suficientes para enfrentar uma pandemia e uma crise econômica sem precedentes. E como tem gente que ainda gosta de autoritarismo e ditadura…

Estamos em uma guerra entre a civilização e a barbárie. Aqui no Brasil, o que melhor representa hoje a barbárie é o bolsonaris­mo. Este é um câncer que se alastra pela sociedade e que precisa ser extirpado a qualquer custo. É um vírus pior do que o corona, pois ataca a inteligência das pessoas.
E para extirpá-lo sem deixar nenhuma metástase ou sequelas, é preciso também extirpar os seus agentes, seus apêndices, seus interlocutores. É por isso que a manada da 9 de julho domingueira tem de ser ridicularizada, enxovalhada, achincalhada. O nazi/fascismo foi derrotado nos campos de batalha em 1945, temos de derrotá-los hoje nas ruas, nas escolas, nos meios de comunicação, com a certeza de que esta gente vai parar mesmo é no lixo da história.

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