José Eugenio Kaça *
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Não se constrói uma Nação, usando a segregação social como política permanente de exclusão. Às vezes um acalento, mesmo que seja desprovido de sinceridade, deixa o ser humano em êxtase, principalmente se vem de um “doutor”, é como os pobres chamam todos àqueles que andam engravatados, com um ar de autoridade, mesmo sem ter nenhuma. E assim se conformam com a sua situação de miserabilidade. No século passado algumas músicas populares faziam exaltação à miséria, um exemplo disso é a música “Ave Maria do Morro”, composta pelo grande Herivelto Martins, que nos versos iniciais exalta a miséria existente nos morros cariocas. “Barracão de cinco sem telhado, sem pintura lá no morro, barracão é bangalô (…)” – fez um grande sucesso na época, e até hoje é exaltada.
Que os miseráveis cuidem da sua miséria é a máxima das políticas de exclusão que se perpetuaram ao longo do tempo no Brasil. À exclusão social se aprofundou após a farsa da “Libertação dos Escravos”,que foram jogados ao léu abandonados a sua própria sorte.Desde os tempos remotos é sabido que o controle das populações escravizadas e os pobres “livres” eram feitos com o uso da força policial, e leis rigorosas contra estes grupos, e no Brasil não foi diferente. Os ex-escravos estavam livres dos açoites e da senzala, mas excluídos da sociedade, epresos àmiséria das favelas, e vilipendiados o tempo todo pelas forças policiais.
Chegamos ao século 21, e as mesmas agruras que pretos e pobres sofriam no passado permanecem quase intactas no presente. O Brasil é signatário de vários acordos internacionais, que tratamda proteção à dignidade humana,e são leis que têm que ser cumpridas, pois o não cumprimento pode gerar sanções internacionais. No entanto os braços dos direitos humanos não conseguem alcançar estas populações. A frase “erradicar a pobreza no Brasil” é parte integrante da Constituição Federal, e da Carta da Terra, são documentos que protegem a dignidade humana, mas a realidade contrasta com as leis.
As leis no Brasil têm pouco ou quase nenhum efeito na vida dos pobres. O caput do artigo 5º da Constituição brasileira afirma: “que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, mas em letras invisíveis a olho nu está escrito: “excetuando os mais iguais”, e o cotidiano mostra essa realidade.Como podemos falar em dignidade humana, quando as populações pobres não são atendidas dignamente, pois não há saneamento básico, saúde e educação de qualidade, e ainda são criminalizadas pela sua pobreza.
O simples fato de se nascer ou viver em uma comunidade pobre, já exclui os direitos fundamentais da pessoa humana, tais como: “De ser reconhecido como pessoa perante a lei, direito a vida, a liberdade e a segurança pessoal, não ser submetido a tortura, nem preso arbitrariamente, da inviolabilidade da sua casa. No entanto a violência das operações policiais nestas comunidades deixa claro que o caput do artigo 5° não é para essa gente.
A maioria das comunidades está localizada em áreas não legalizadas, e por conta disso moram, mais não residem, e esse pequeno detalhe abre o caminho das arbitrariedades. Como essa população mora, mas nãoreside, as autoridades polícias se acham no direito de invadir as comunidades revirando suas casas, matando quem eles acham suspeitos, sem a menor cerimônia, e sem ordem judicial, agindo como se estivessem numa guerra em campo aberto, sem o mínimo respeito às leis.Não se erradica a pobreza exterminando os pobres, como tem sido as políticas públicas de segurança.
As arbitrariedades cometidas contra as populações pobres no Brasil, de maioria negra chegaram ao limite da barbare. É urgente que a proteção da pessoa humana explicita na Constituição seja cumprida, para que não seja preciso haver uma rebeliãopara por fim nesta tirania e opressão.
* Vice-presidente do Conselho Municipal de Educação