No Brasil, estima-se que 1.053.000 pessoas vivam em um cenário de escravidão contemporânea, o que coloca o país em 11º lugar no ranking mundial, em números absolutos, na comparação entre 160 países. E o que se tem, como resposta das autoridades, em termos de nível de proteção das vítimas, é um conjunto robusto de medidas. Essas são algumas das colocações que constam do relatório Índice Global de Escravidão 2023, da organização internacional de direitos humanos Walk Free.
A escravidão contemporânea abrange uma série de fatores, como trabalho forçado, a escravidão por dívida, o casamento forçado, práticas de escravidão e análogas à escravidão e tráfico de pessoas. Trata-se de um termo para classificar situações que podem estar presentes em diversos segmentos de atividade econômica, ou seja, pode ir do setor de confecção de roupas ao de agricultura e mineração, por exemplo. Outros contextos em que pode se instalar são as residências e os espaços destinados ao acolhimento de refugiados, destaca a entidade.
De acordo com o relatório, o Brasil ocupa o 9º lugar no ranking do continente americano, em termos de resposta do Poder Público, no contexto do resgate das vítimas desse tipo de exploração. Embora a Walk Free qualifique as ações brasileiras como “fortes”, a entidade ressalta que o país, assim como os Estados Unidos, acaba sabotando esse conjunto de medidas, ao forçar pessoas a situações que vão “além das circunstâncias que as convenções internacionais consideram aceitáveis” de abuso, como o trabalho obrigatório imposto a detentos. Ainda no recorte das Américas, o Brasil entra na categoria intermediária, quando a análise diz respeito ao patamar de vulnerabilidade à escravidão.
Para comparar a estrutura de que lançam mãos os governos, diante da problemática da escravidão contemporânea, a organização leva em conta aspectos como mecanismos que o Poder Judiciário mantém para evitar mais casos e o apoio oferecido a vítimas, a fim de que possam sair do ciclo de violação de direitos. Outro elemento que pode afetar a colocação dos países no ranking é o modo como governo e empresariado que atua no país reagem perante os casos, se param de fornecer bens e serviços envolvidos com a cadeia de escravidão, boicotando quem a alimenta. No grupo com as melhores conduções da questão, estão países como Reino Unido, Austrália, Holanda, Portugal e Estados Unidos.
Escravidão contemporânea
Em setembro de 2022, a Walk Free já havia divulgado que, em todo o mundo, calcula-se que 50 milhões de pessoas eram submetidas a condições que configuravam escravidão contemporânea, em 2021, sendo 12 milhões de crianças e a maioria (54%) de mulheres e meninas. Desse total, imagina-se que 27,6 milhões eram vítimas de trabalho forçado e 22 milhões estavam em um contexto de casamento forçado, também encarado pela Organização das Nações Unidas como uma forma de escravidão.
No total, são tabulados dados de 160 países. Dez países aglutinam dois terços das vítimas: Índia, China, Coreia do Norte, Paquistão, Rússia, Indonésia, Nigéria, Turquia, Bangladesh e Estados Unidos.
Os países com mais prevalência, tendo em vista a população, são a Coreia do Norte, Eritreia, Mauritânia, Arábia Saudita e Turquia. Já os que registram menos ocorrências são Suíça, Noruega, Alemanha, Holanda e Suécia. No caso da Coreia do Norte, calcula-se que haja 104,6 pessoas a cada 1 mil, em situação de escravidão contemporânea.
No Brasil, o auditor fiscal do trabalho Lucas Reis, que atua em Santa Catarina, comenta que uma sequência de eventos, ao longo dos últimos anos, enfraqueceu a salvaguarda de direitos dos trabalhadores. Uma das referências que tem em mente ao fazer a crítica é a reforma trabalhista, articulada e consolidada pelo ex-presidente da República Michel Temer, que, para ele, “rebaixa” condições de trabalho.
“Não teve nenhum dado positivo da reforma trabalhista”, sintetiza.
A falta de concursos públicos para o cargo de auditor fiscal é outra particularidade que vai na contramão do enfrentamento às violações de direitos humanos. A mais recente lista de trabalho análogo à escravidão incluiu 132 empregadores, entre pessoas físicas e jurídicas.
Pais que desejam encaminhar os filhos para suas primeiras oportunidades profissionais conciliando estudos com a prática ganham ajuda do governo estadual. Acaba de ser lançado o Programa Jovem Aprendiz Paulista, que oferece a jovens de 14 a 18 anos vagas em pequenos negócios.
Somente na região de Ribeirão Preto são 116,4 mil empresas ativas classificadas como micro (ME) ou empresas de pequeno porte (EPPs), segundo dados da Junta Comercial (Jucesp). Cada uma delas poderá contratar um aprendiz pelo período de até dois anos, com capacitação 100% custeada pelo governo.
Diferente do programa nacional, que onera o empresário com a capacitação do estudante e é voltado às médias e grandes empresas, o Jovem Aprendiz Paulista custeia todo o treinamento dos alunos e é específico para os pequenos que querem expandir.
O setor é responsável por oito a cada dez postos de trabalho gerados no Brasil, segundo dados do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o que reforça a importância dos pequenos negócios para abrir portas a jovens que querem aprender um ofício.
A iniciativa é coordenada pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, em parceria com a pasta de Projetos Estratégicos. Além de não arcar com a capacitação pedagógica e técnica dos aprendizes, os empreendedores participantes estão isentos das verbas rescisórias ao término dos contratos e recolhem alíquota de FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) de apenas 2% por jovem atendido, com todo o trâmite de contratação amparado pela Lei do Aprendiz (10.097/2000).
Outra medida importante é o acesso dos jovens a oportunidades nas mesmas regiões onde residem e estudam, já que o programa é georreferenciado, facilitando o “match” entre os candidatos a aprendiz e os pequenos negócios. A iniciativa fomenta a economia local, amplia a conexão entre empreendedores e comunidades e ainda reduz custos com transporte e tempo de deslocamento.
Para os estudantes, o Jovem Aprendiz Paulista oferece remuneração mensal de até R$ 917,59, com base no salário-mínimo/hora e de acordo com os períodos de expediente e treinamento. O contrato pode chegar a 24 meses. A jornada dos aprendizes será de quatro dias de trabalho, com carga horária diária de 4 a 6 horas, e um dia exclusivo para capacitação online.
A matrícula na rede pública de ensino é obrigatória para a participação no programa. Durante todo o processo, o jovem beneficiado será acompanhado por um tutor responsável pelo suporte à família sobre o desenvolvimento do aprendiz.
Juliana Cardoso, secretária executiva da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de SP destaca que esse é o primeiro ano do Programa Jovem Aprendiz, já em funcionamento desde 26 de abril. Explica que para fazer parte precisa se cadastrar no site, as empresas têm uma aba própria.
“Temos expectativas boas com a criação desse projeto que tem o intuito de tirar os jovens da rua, da ociosidade, dando oportunidade de profissionalização. O programa é disponível para os estudantes da rede municipal e estadual”, detalha. As inscrições para empresários e estudantes estão abertas no site jovemaprendiz.sp.gov.br.