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Botafogo e a goleada de cidadania

Domingo é dia de futebol, nossa paixão nacional. Ocorre que, em tempos de pandemia, as paixões devem ser refreadas e a prudência e os cuidados com a saúde e preservação da vida priorizados. Não foi assim que pensaram os dirigentes do futebol do Rio de Janeiro, que, apesar dos altos índices de contaminação e mortes, determinaram a volta dos jogos contrariando o conselho de autoridades sanitárias e o desejo de alguns clubes e vários atletas.

O glorioso Botafogo de Futebol e Regatas resolveu reiterar sua insatisfação de um modo muito criativo e consciente. Na partida contra a Cabofriense, a equipe de general Severiano entrou em campo ostentando uma faixa com os dizeres: “Pro­tocolo bom é o que respeita vidas”. Logo aos dois minutos de partida todos seus jogadores se ajoelharampelo fim do racis­mo. Do outro lado, os jogadores adversários permaneceram em pé, respeitosamente, com exceção do jovem Luan Santos que também ficou de joelhos e ao final esclareceu que aderiu a iniciativa por já ter sido vítima de racismo.“Fui chamado de macaco e nunca esqueci”, afirmou.

Além disso, na frente das camisas havia a frase “Vidas Negras Importam” e atrás, logo acima do número, a men­sagem “Obrigado profissionais na linha de frente contra a COVID-19”. A torcida aderiu à campanha comprando cen­tenas de uniformes, sendo que parte da renda será destinada à Educafro, uma ONG de combate ao racismo que luta por inclusão de negros nas universidades.

O triplo protesto foi pertinente e em sintonia com as manifestações mundiais por igualdade racial e com a preo­cupação mundial na busca pela redução dos danos causados pelo novo coronavírus. A demonstração de solidariedade aos profissionais de saúde que diuturnamente superam a falta de estrutura, recursos, equipamentos de proteção individual e insumos, enfrentando o potente vírus foi um ato envolvo por simbolismo. Já são 169 mortos e 83.118 infectados que, nos últimos dias, ainda tiveram hospitais invadidos e sofreram ameaças de pessoas que, com ações insanas e desnecessárias, expuseram suas vidas e as dos pacientes.

O protesto alvinegro alerta que futebol, saúde e economia precisam de gestão e planejamento. Também necessitam de líderes competentes e compromissados com a coletividade. É obvio que todos desejamos a retomada das atividades sociais e produtivas, mas com toda segurança.

Sabemos, ainda que, superada a pandemia, não poderemos continuar desorganiza­dos como antes. Será necessário implantar uma nova mentali­dade, uma cultura, onde a pessoa seja a prioridade.
Os anunciados investimentos em saneamento básico devem sair do papel e a rede pública de saúde precisa de financiamento vigoroso, pois fortalecendo o SUS garantimos mais saúde e preservamos vidas. Para superar a crise, a edu­cação deverá experimentar alterações consideráveis e o setor produtivo buscar reestruturação para preservar as empresas, gerarmais emprego e renda sem sacrificar seus empregados.

O engajamento de artistas, atletas profissionais e lideran­ças dos mais variados setores é indispensável, já que as auto­ridades políticas não conseguiram, até agora, conduzir nosso país neste tempo de tanta dificuldade.

Quanto ao resultado da partida, no final o time da Estrela Solitária venceu por 6 a 2 e, mais do que um espetáculo de fu­tebol, o clube onde desfilaram, Nilton Santos, Jairzinho, Didi, Gérson e Mané Garrincha (A Alegria do Povo), deu um show de consciência e uma goleada de cidadania.

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