Adriana Fernandes, André
Borges e Tácio Lorran (AE)
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu nesta quarta-feira, 8 de março, à CNN Brasil que ficou com o segundo pacote de joias da Arábia Saudita que chegou ao Brasil pelas mãos da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque.
Pacote
No estojo estavam relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rose gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard. O site da loja vende peças similares que juntas somam, no mínimo, R$ 400 mil.
Bolsonaro afirmou à CNN Brasil que seguiu a lei, “como sempre”, e que não houve “ilegalidade” no caso das joias. A entrada das peças no Brasil sem declarar à Receita Federal e a apropriação pelo ex-presidente, porém, estão irregulares. O entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) é de que os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de “caráter personalíssimo” como roupas e perfumes.
Acervo
Ao Estadão, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” do ex-presidente, admitiu que as joias desse segundo pacote estão com Bolsonaro, no “acervo privado” dele. A entrada das peças no Brasil sem declarar à Receita Federal e a apropriação pelo presidente estão irregulares.
Pela legislação, além de declarar formalmente que se tratava de um presente de um governo para o outro, as peças deveriam ser encaminhadas para o acervo público da Presidência da República. O Estadão teve acesso a documentos oficiais que mostram que o pacote foi entregue no Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes da República.
O recibo indicando que Bolsonaro recebeu as joias de diamantes às 15h50 do dia 29 de novembro de 2022 foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos. O documento traz uma pergunta sobre se o item foi visualizado por Bolsonaro. A resposta do funcionário público: “sim”. Após perder a eleição para o petista Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro requisitou as joias faltando um mês para encerrar seu mandato e deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos, onde está desde 30 de dezembro.
Antes, as joias estavam guardadas no Ministério de Minas e Energia. Os diamantes chegaram ao Brasil em outubro de 2021 trazidos pelo então ministro Bento Albuquerque. No mesmo voo, estava o assessor do ministro, Marcos André Soeiro, com outro estojo da marca Chopard, contendo um colar, um par de brincos, relógio e anel estimados em € 3 milhões (R$ 16,5 milhões).
Receita
Essas últimas peças, porém, foram apreendidas pela Receita Federal quando o assessor do ministro também tentou entrar com elas ilegalmente no país. Os documentos contrariam a versão de Bolsonaro, que no último sábado, após evento nos EUA, disse que não pediu nem recebeu presente em joias do governo saudita. “Estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não pedi nem recebi”, disse.
“Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”. À CNN Brasil, repetiu a mesma versão. Foi o próprio ex-ministro de Bolsonaro quem revelou que as joias eram para o ex-presidente. Bento Albuquerque contou detalhes.
Disse que ele e sua comitiva estavam deixando a Arábia Saudita, onde participaram de um evento representando Bolsonaro, quando um representante do regime os encontrou no hotel e entregou dois pacotes. Segundo ele, o conjunto de brilhantes avaliado em R$ 16,5 milhões era um presente para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O outro pacote era para o então presidente. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né… deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos”, disse ele.
O advogado Frederick Wassef, que representa o ex-presidente, declarou que Bolsonaro, “agindo dentro da lei, declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas.”
CGU
A Controladoria-Geral da União (CGU) decidiu instaurar investigação para apurar o caso. Segundo a CGU, órgão do governo federal responsável pela defesa do patrimônio público, transparência e combate à corrupção, a medida foi tomada “em razão da complexidade da apuração, já que envolve autoridades e servidores de órgãos diferentes”. O caso também passou a ser apurado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, em São Paulo.