A Campanha da Fraternidade é realizada tradicionalmente pela Igreja Católica todos os anos juntamente com outras denominações cristãs. O texto-base é escrito por membros do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), e passa pela aprovação da direção geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O tema da Campanha da Fraternidade deste ano é “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e vem sendo trabalhado com os fiéis em todas as comunidades paroquiais, inclusive em Ribeirão Preto.
Mas a ação de 2021 está sob bombardeio de grupos ultraconservadores da sociedade, inclusive grupos que se dizem católicos, porque o texto-base da campanha condena a violência contra mulheres, negros, indígenas e LGBTQIs. Também desaprova o negacionismo em relação à pandemia e faz críticas à atuação das autoridades. Mesmo antes da campanha ser lançada na quarta-feira de cinzas, esses grupos já iniciaram um movimento pela internet pedindo que as pessoas não façam doações solicitadas para as obras sociais apoiadas pelas igrejas.
Os ataques nas redes são ferozes e acusam as lideranças das igrejas cristãs de terem aderido às “pautas abortistas e anticristãs”. Um dos nomes que tem encabeçado a campanha é o guru do governo de Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, diretamente da Virgínia, onde reside. A principal crítica dos ataques é a parte do documento que menciona explicitamente a violência contra LGBTQIs. Ele traz dados do Atlas da Violência e da ONG Grupo Gay da Bahia para denunciar que 420 pessoas desse grupo foram assassinadas em 2018 no Brasil.
“Esses homicídios [de LGBTQIs] são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos dessas populações e de outros grupos perseguidos e vulneráveis”, enfatiza o documento. Em tempo, vimos semana passada as cenas chocantes que circularam nas redes aqui em Ribeirão, mostrando um morador de rua sendo violentamente agredido por um maître de uma churrascaria. Vivemos em uma sociedade em que as pessoas são descartáveis e só valem pelo que possuem.
“Jesus questionou essas estruturas de poder e desigualdade. As pessoas não poderiam ser descartadas e sofrer as consequências para a manutenção de um poder segregador”, afirma o padre Antonio Frizzo, um dos organizadores da campanha. A Aliança de Batistas do Brasil repudiou a contracampanhados ultraconservadores e afirmou que os ataques estão sendo direcionados em especial a lideranças femininas, “além do cunho antiecumênico, são carregados de misoginia indisfarçável”. Em nota, a CNBB destaca que “o ecumenismo não é apenas uma questão interna das comunidades cristãs, mas diz respeito ao amor que Deus, em Cristo Jesus, destina ao conjunto da humanidade”.
A pastora luterana Romi Bencke, secretária-executiva do Conic, é um dos principais alvos dos ataques. Em entrevista à Carta Capital, a religiosa afirma que muitos deles acontecem porque a entidade assinou um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. “Toda a peça do impeachment está centrada na anti-política do atual governo em relação à contenção da propagação da pandemia. Os temas que estão no foco de ataque destes grupos que criticam a Campanha fazem parte da agenda bolsonarista”, afirma Romi.
A pastora ainda aponta que Bolsonaro utiliza a religião para propagar seu discurso de ódio. “Sabemos que estes temas são parte da agenda da cultura política bolsonarista que utiliza de maneira muito eficiente o discurso religioso para ganhar apoio político e desmoralizar as críticas da sociedade civil e até mesmo de lideranças religiosas”, afirma. A pastora tem toda a razão, pois vemos, quase diariamente, as juras de apoio incondicional que os profetas do palácio prestam à besta do apocalipse como os Malafaias, os Macedos e os Waldomiros da vida.