O avanço da ciência e da técnica no campo da medicina trouxe alivio para muito sofrimento. A esperança de vida cresceu. Seu progresso está na base da explosão demográfica, cujas consequências Malthus pressentiram no século XIX. O aumento populacional não se deu porque nasciam mais crianças, mas porque morria menos gente, consequência de novos métodos para garantir a continuidade da vida.
Interferindo na morte, com uma redução drástica de óbitos, principalmente de crianças e de mães no primeiro parto, desequilibrou-se a proporção natural entre nascimentos e mortes. Não restaria dúvida de que, interferindo artificialmente na segunda, seria forçoso atacar também o primeiro, sob pena de superpovoar a terra, em poucos anos.
A ciência médica avançou para o âmago da composição da vida. Chegou ao genoma, cuja descoberta e utilização se situam entre os três grandes projetos do século XX, que revolucionaram a humanidade: o projeto nuclear, que vai até à utilização da energia do átomo; o projeto Apolo, que conquista o espaço; e o projeto genoma que penetra nos segredos da vida e da genética. Mas logo os três projetos começaram a causar apreensões.
A descoberta da energia nuclear colocou em risco toda a humanidade, tanto pelas armas nucleares como pela população e o lixo atômico que ocasiona. Há um consenso, após muitas lutas e movimentos humanísticos, acerca da necessidade, primeiro, de banir as experiências atômicas ou nucleares, tanto ao céu aberto como subterrâneos.
As ogivas e os foguetes nucleares foram uma experiência funesta, que fez trepidar o mundo. As bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki são um alerta.
A bioética – ética da vida traz consigo a fundamental tarefa de esticar a vida. Lembro-me que, quando criança uma pessoa morrendo aos 60 anos de idade, dizia-se que morria velha. Hoje, quando uma pessoa morre aos 85 anos, ouve-se dizer: “Mas já, tinha ainda uma vida toda pela frente, logo agora que parou de trabalhar…!”
Mesmo com tanto esforço por mais vida, a bioética ainda não conseguiu melhorá-la. É visível e cada vez mais frequente ouvir-se das pessoas, que preferem uma morte mais natural possível, do que permanecer em Unidades de Tratamentos Intensivos – UTIs, ligados à aparelhos, na maioria dos casos adiando o momento derradeiro de uma vida não vivida, por conta da factual cultura da sobrevivência. Como seria bom, se vivêssemos melhor, ao invés de simplesmente sobreviver.
A experiência com o gen humano, com células e embriões, torna-se uma ameaça, ao mesmo tempo em que constitui uma esperança. Estamos num terreno em que a teoria passa para a prática, não sem graves riscos.
Para ir ao encontro dessa problemática surgiu a bioética, como num grito de desespero, não menor do que o que se opôs às experiências nucleares, lá do fundo da humanidade, para sua salvaguarda e dignidade. Está em jogo a vida humana. Enfrenta situações conflituosas, especialmente complexas por ocasião do início e do fim. No início estão os problemas do planejamento, da gestação, do nascimento. Avançam propostas de fecundação in vitro, de anticoncepcionais e de aborto; no outro extremo vem a eutanásia, a morte clínica, o prolongamento artificial da vida, a supressão da dor…
Mais grave é o problema da engenharia genética, a biomedicina, a embriologia, a clonagem humana, o útero artificial, o congelamento de embriões e seu descarte… Qual é sua justificação moral?
Não se trata, em primeiro lugar, de uma questão religiosa nem de uma opção confessional. Há algo mais profundo, que nos leva a tomar posição frente a esses problemas e soluções. É a salvaguarda da vida humana, ou melhor, é o bem da própria humanidade, que corre risco de deturpação. A bioética representa a atitude a ser tomada frente à vida humana, de seu nascimento, doença, sofrimento, envelhecimento e morte.
A cultura de sobrevivência imposta sobre a humanidade em nosso século denomina uma nação desenvolvida, a partir da bolsa de valores. É a economia que determina se uma Nação é ou não desenvolvida. A pessoa e sua dignidade são apenas um simples detalhe. Enquanto o capitalismo selvagem sobreviver à custa da dignidade humana, a bioética tem a tarefa de ecoar ao coração do mundo, que são as criaturas humanas que determinam a civilidade, o desenvolvimento e a situação digna ou desumana de um povo, de uma Nação, principalmente diante dos desafios surgidos de uma pandemia!