Walter Mello
Das oito divisões que compõem os campeonatos Paulista e Brasileiro, cinco delas separam a dupla Come-Fogo. Enquanto o Comercial luta para escapar da cruel Segunda Divisão e retornar à Série A3 do Paulistão, de onde foi rebaixado em 2017, do outro lado o Botafogo rema para conseguir o sonhado acesso à Série B do Nacional no ano de seu centenário. Apesar das diferenças gritantes no status atual dos dois clubes, ambos se enfrentam em níveis de igualdade nas bilheterias e nas arquibancadas.
Em apenas dois jogos em seus domínios, em Palma Travassos, o Leão do Norte atraiu 4.305 torcedores, média de 2.152 pagantes por partida, dos quais 2.125 apenas no clássico contra a Francana, além de 2.180 no duelo contra o Jaguariúna. Já o Pantera, em três partidas, levou ao Santa Cruz um total de 6.181 torcedores, sendo 1.724 contra o Bragantino, 2.610 no confronto com o Cuiabá e 1.847 na última segunda-feira (7), contra o Volta Redonda-RJ. A média de público do Pantera é de 2.060 torcedores, 152 a menos que a de seu arquirrival, mesmo com um jogo a mais.
“Creio que isso se explique pelo fato de os nossos torcedores estarem carentes de futebol, de não verem o time jogar há um ano. O time está indo bem e isso ajuda”, diz o presidente do Alvinegro, Ademir Chiari. Os dados sobre todos os clubes profissionais estão disponíveis no Boletim Financeiro de cada partida nos sites da Federação Paulista de Futebol (FPF) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
No cotejo entre Botafogo e Comercial, mesmo em campeonatos distintos, há que se considerar os custos por competição, entre eles a taxa de arbitragem, ambulância no estádio, seguro ao torcedor, policiamento entre outros. Na Segunda Divisão, entre alugueis e seguros, taxas, impostos e despesas operacionais são computados apenas seis itens, contra 14 da Série C – oito a mais. “Isto faz com que a Série C seja deficitária – e muito –, pois consome com tudo aquilo que arrecadamos nas bilheterias e deixa um buraco muito grande nas finanças”, diz Gerson Engracia, presidente do Tricolor.
Até agora, o prejuízo do Botafogo chega aos R$ 66.566,94 para uma modesta arrecadação global contra Bragantino, Cuiabá-MT e Volta Redonda-RJ. Na estreia do campeonato, jogando contra o time de Bragança Paulista, a arrecadação foi de R$ 22.110,00 para uma despesa operacional de R$ 46.163,39, saldo negativo de R$ 24.053,39. Na partida em que recebeu o Cuiabá, o déficit chegou a R$ 16.420,96. No confronto com o Voltaço, foi de R$ 26.091,59.
No Comercial, em dois jogos disputados, o saldo positivo na arrecadação líquida chegou aos R$ 42.946,62, mas as despesas operacionais custaram ao clube R$ 5.969,38, o que seria suficiente para saldar o salário de pelo menos três jogadores. “Nossa folha, incluindo funcionários, é da ordem de R$ 70 mil a R$ 80 mil por mês”, afirma Ademir Chiari, que ainda enfrentou neste mês, no dia 7, a ameaça de hasta pública do Estádio Palma Travassos por causa de uma dívida de R$ 151 mil junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O estádio está avaliado em R$ 40 milhões e não houve interessados.
Em ambos os casos, os dois times se valem de patrocinadores para conter a sangria de recursos. No caso do Leão, a arrecadação pesa favoravelmente na balança entre receitas e despesas, mas, no Botafogo, não. Lá, a folha está na casa dos R$ 450 mil por mês – fora os custeios e o pagamento de acordos de dívidas fiscais e tributárias. Sem cota de participação, a Série C é uma espécie de purgatório para se chegar ao “paraíso” da Série B, onde cada time tem direito a R$ 10 milhões com a taxa de televisão, além dos custeios de viagens. “Cota é algo finito, não podemos depender apenas disso”, afirma Engracia.
Público – Em agosto de 2017, a população de Ribeirão Preto era de 682.302 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Destes, 0,63% estiveram em Palma Travassos para ver o time na Segunda Divisão, isto em hipótese, se toda a população fosse torcedora do Alvinegro. No caso do Botafogo – e sob a mesma ótica –, 0,90% foram prestigiar o time comandado por Léo Condé.
Arquibancadas vazias e arrecadações negativas não são exclusividades do Botafogo na Série C. Na rodada passada, no jogo entre Bragantino e Tombense, em Tombos-MG, apenas 626 torcedores saíram de suas casas para ir ao estádio e deixaram nas bilheterias R$ 8.198,00. No confronto com as despesas, o saldo foi zero. Outro jogo com renda líquida zerada aconteceu entre Ypiranga-RS e Luverdense-MT, assistido por 556 torcedores e uma renda de R$ 10.120.00, sendo R$ 6.600,00 oriundos de associados.
Na chave do Comercial no Paulista, o jogo Jaguariúna e Brasilis foi testemunhado por 48 solitários torcedores, que proporcionaram uma arrecadação pífia de R$ 380 e uma renda líquida negativa de R$ 462,31. O jogo entre o líder Itapirense e Jaguariúna foi visto por 240 expectadores, que geraram uma renda de R$ 2.085,00 e um prejuízo de R$ 1.139,01.
Preço dos Ingressos – Uma das tentativas dos clubes – além de suas promoções de sócio-torcedores, patrocinadores etc. – tem sido a recorrente e quase ineficaz estratégia de diminuir o valor dos ingressos. Mas nem isso tem sido suficiente para escapar do fundo o poço, caso o clube sobrevivesse apenas das bilheterias. Contra o Voltaço, por exemplo, na segunda-feira (7) a arquibancada estava a R$ 40 e a meia-entrada em R$ 20. Já na arquibancada coberta, os preços variavam de R$ 60 a R$ 30.
A maior arrecadação do Botafogo no Campeonato Paulista de 2018, para se ter uma ideia, se deu na segunda rodada, contra o Palmeiras, no Santa Cruz. O time vinha de derrota para o Bragantino, mas levou 20.088 torcedores ao estádio, que geraram uma renda bruta de R$ 1.023.240,00, e líquida de R$ 796.569,93. Mais de R$ 226 mil ficaram pelo caminho. Para essa partida os preços foram fixados em R$ 80 e R$ 40 e R$ 200 e R$ 100, respectivamente.
Se o Botafogo reduziu o valor do ingresso para enfrentar seu maior adversário – a própria Série C – como forma de atrair mais público, decisão que até agora não surtiu efeito, o Comercial também: a cativa custa R$ 40,00 e a meia-entrada R$ 20,00. A arquibancada varia de R$ 10,00 a R$ 20,00. Comercialinos vestidos com a camisa do clube pagam meia-entrada.
Velhos e bons tempos do clássico Come-Fogo
Em seu livro “Come-Fogo – Tradição e Rivalidade no Interior do Brasil”, o jornalista esportivo Igor Ramos faz um minucioso estudo de todos os clássicos disputados pelos arquirrivais Comercial e Botafogo, de 1920 a 2012. De acordo com registros de Ramos, o recorde de público aconteceu no Santa Cruz, no feriado de 1º de maio de 1977, quando 31.369 torcedores foram ao estádio torcer por seus respectivos times.
Já em Palma Travassos, ainda segundo Igor Ramos, o maior público oficial em um Come-Fogo foi de 24.253 pagantes, em 23 de abril de 1978, em jogo válido pela fase preliminar na Copa do Brasil. Esses dois clássicos também registraram os maiores públicos presentes (menores que não pagavam ingressos e, possivelmente, penetras): 36.369 e 27.144 torcedores. Os menores públicos foram 1.028 em agosto de 2005 e 1.111, em 21 de março de 2004. O menor de todos os públicos, no entanto, foi em 9 de setembro de 1984, quando apenas 822 abnegados foram ver o Come-Fogo.
Sociedade anônima pode ser solução para déficits
Na luta desleal contra bilheterias e as arquibancadas, onde invariavelmente os clubes são nocauteados, a proposta em transformá-los em sociedade anônima parece ser a alternativa mais lógica e sensata para fazer frente aos constantes prejuízos. Tem sido assim em diversos países do mundo. Na Inglaterra, por exemplo, times da segunda divisão seguiram o exemplo dos grandes e aderiram ao novo sistema de gestão.
No Chile, por exemplo, os times têm na estrutura societária empresas do mercado financeiro e são geridos por profissionais indicados por elas. O caso mais emblemático do país vizinho é o do Colo-Colo, detentor de 23 títulos nacionais conquistados até 2002, o que não impediu de naquele ano ter a sua falência decretada pela Justiça do país. Surgiu, então, uma sociedade anônima chamada Blanco y Negro para administrar ativos do clube.
O time conseguiu se levantar com a venda de ações com US$ 37 milhões na oferta inicial de ações na Bolsa. O resultado extraordinário chamou a atenção de todos os demais clubes chilenos, como a Universidad de Chile que levantou US$ 14,7 milhões com a venda de 55% de suas ações. A Universidad Católica conseguiu US$ 25 milhões ao comercializar 100% de seus papeis em 2009.
No ano em que completa o seu centenário, o Botafogo de Ribeirão Preto deu o pontapé inicial para sair do atoleiro das dívidas, colocar a casa em ordem perante a Justiça Trabalhista, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e parcelamento de dívidas tributárias e fiscais.
O Botafogo Sociedade Anônima foi anunciado com exclusividade por este Tribuna e o início da nova gestão, que envolve apenas o departamento de futebol, está para começar, ainda dentro do Campeonato Brasileiro da Série C. O clube ficará com 60% dos ativos e os demais 40% ficarão com os investidores, até aqui o Grupo Achê, um dos maiores laboratórios da América Latina. “É um sistema de cogestão inédito no Brasil e que será determinante para os novos destinos do clube. Do jeito que está, não dá mais”, admite o presidente Gerson Engracia.
A princípio ela será estabelecida em capital fechado (seus valores mobiliá¬rios não passam por negocia¬ções na bolsa) e, na sequência, com tempo indeterminado, de capital aberto, aí já com partici¬pação na Bovespa, por exemplo. O assunto, que deverá alterar profundamente a vida financei¬ra do clube já foi amplamente discutido com o Conselho Deliberativo do Bota¬fogo, que o aprovou e deu carta branca para a implantação. “Será muito im¬portante e decisivo para a vida do futebol profissional do clube, pois isto irá mudar paradigmas e dará equilíbrio financeiro para que o clube viva sem sobressal-tos”, destaca.
Paradigmas – Com capital inicial de R$ 20 milhões, sendo R$ 8 milhões dos investidores, o Botafogo entra no rol da modernidade administrativa do futebol. A notícia e as articulações para a transformação efetiva em Sociedade, Anônima, foi capaz de mudar velhos paradigmas. O assunto tomou conta do noticiário nacional e virou discurso até mesmo de jogadores, que decidiram permanecer no clube para disputar a Série C por apostarem no sistema de gestão proposto. “É o único caminho para revitalizar o futebol”, diz o médico e ex-presidente do Botafogo, Miguel Mauad, um dos responsáveis pelo projeto.
Para o articulista e analista esportivo do Tribuna, Luiz Carlos Briza a transformação em clube-empresa é mais que necessária: “É a única (ou a última) saída. Claro que o sucesso deste tipo de gestão depende do potencial de cada clube no mercado, os pequenos sofrerão mais, porém sem esta transformação os clubes fecharão as portas. Alguns imediatamente e outros ficarão em estado vegetativo por mais tempo”, afirma.