Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão
A passagem do cinema mudo para o sonoro, com o lançamento de O Cantor de Jazz, produzido pela Warner e dirigido por Alan Crosland, em 1927, foi objeto de diversas histórias lendárias de Hollywood, contadas em formato de livro e de filme mesmo – a comédia romântica musical Cantando na Chuva (1952) é o mais famoso deles. A carreira de John Gilbert, diziam, havia sido destruída porque o galã teria voz de taquara rachada. Mas não foi bem assim.
Damien Chazelle, que tinha contado a história da ascensão de uma estrela e de uma cidade que ergue e destrói sonhos em La La Land – Cantando Estações (2016), ganhador de seis Oscars, incluindo melhor direção, tinha vontade de voltar aos anos 1920, período de grande evolução do cinema. Nessa década foram lançados Metrópolis (1927), de Fritz Lang, A Paixão de Joana d’Arc (1928), de Carl Theodor Dreyer, O Homem com a Câmera (1929), de Dziga Vertov, Napoleão (1927), de Abel Gance, Aurora (1927), de F.W. Murnau, Limite (1931), de Mário Peixoto. Todos são mudos e estão entre os melhores longas já produzidos. Pode-se dizer que, quando a tecnologia do som chega ao cinema, ele vivia um momento criativo riquíssimo.
Era isso que fascinava Chazelle, o cineasta mais jovem a ganhar o Oscar de direção, aos 32 anos. Ele pesquisou o período de transição e crescimento de Hollywood – na década de 1920, cerca de 80% da produção cinematográfica mundial saía de Los Angeles, então uma cidade ainda poeirenta, longe da metrópole cortada por vias expressas de hoje, retratada na cena inicial de La La Land, da dança no congestionamento.
Sonho
Foi assim que nasceu Babilônia, que estreia nesta quinta-feira, 19, nos cinemas brasileiros. Chazelle volta a seu tema preferido: o que é preciso deixar de lado para realizar seu sonho, seja na música (como em Whiplash – Em Busca da Perfeição, de 2014), no cinema (La La Land) ou para ser astronauta (O Primeiro Homem, de 2018).
No filme, o mexicano Diego Calva é Manny Torres, um faz-tudo que sonha em trabalhar em um set de filmagem, mas que se contenta em levar um elefante ladeira acima para a festa de um grande produtor. Lá, ele precisa lidar com os caprichos das celebridades, como o astro Jack Conrad (Brad Pitt), moldado a partir de John Gilbert – ou seja, um galã com poder de decisão nas produções que faz. Na festa, Manny fica fascinado com Nellie LaRoy (Margot Robbie), uma aspirante a estrela que faz de tudo para chamar a atenção, e consegue. Ali mesmo, ela recebe trabalho em uma produção, enquanto Manny também ganha seu ingresso em Hollywood. Serão muitos encontros e desencontros enquanto Nellie e Manny ascendem na indústria, tendo de enfrentar de tudo – ela como mulher, ele como latino. Não é muito diferente de Sidney Palmer (Jovan Adepo), um músico negro, e da cantora de origem asiática Lady Fay Zhu (Li Jun Li).
“Havia muito nesse capítulo da história de Hollywood que foi apagado ou esquecido”, disse Chazelle, referindo-se à presença de mulheres, negros, asiáticos e latinos no cinema americano, em entrevista ao Estadão, por videoconferência. “E, para mim, essa era a razão de fazer o filme, tentar desenterrar coisas desse período que não se enquadram nas expectativas normais da Hollywood dos anos 1920. Queria mostrar coisas que não foram mostradas e até chocar, seja pela inclusão das pessoas que faziam parte da indústria na época ou pela maneira como os filmes eram feitos, como eram as festas.”
Não parece ser acaso que Babilônia chegue aos cinemas em um momento em que Hollywood passa de novo por uma grande transformação, com baixa produção de títulos, que raramente conseguem atrair a atenção das pessoas – o filme mesmo arrecadou cerca de US$ 15 milhões apenas. O diretor disse que sentiu que era “agora ou nunca”, quando se viu sem projeto depois de O Primeiro Homem (2018). “Eu não podia mais adiar indefinidamente”, explicou. Mas seu “agora ou nunca” é, um pouco, um medo de que talvez, no futuro, não consiga fazer um filme desse tamanho – o orçamento é estimado em US$ 110 milhões – que não envolva super-heróis ou alienígenas azuis.
Mas Damien Chazelle não se mostra pessimista. “Estamos em algum tipo de transição, sem saber ainda qual vai ser o resultado”, observou. “Mas eu acho que o fundamental permanecerá o mesmo. Eu acredito piamente nisso, porque, se dá para aprender algo da história é que Hollywood e o cinema sempre estão em algum tipo de transição. De certa maneira, sempre há um frescor. E nós temos de continuar correndo para acompanhar.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.