Conhecido como o psicólogo mais influente do século 20, o norte-americano B. F. Skinner (1904- 1990), quando criança e adolescente, gostava de construir coisas. Dos trenós, carrinhos e jangadas aos carrosséis, atiradeiras, modelos de aviões e até um canhão a vapor, Skinner passou anos tentando construir uma máquina de movimento perpétuo. Paralelo a isso, seu interesse pelo comportamento dos animais, alimentado pela constante leitura de livros sobre os mesmos, levou-o, anos mais tarde, a treinar pombos para realizarem uma variedade de comportamentos. Seu legado principal? Considerar o livre arbítrio uma ilusão, bem como, a ação humana algo dependente das consequências de ações anteriores. Fruto disso, foi o fundador, em psicologia, da análise experimental do comportamento, o que fez dele um pioneiro do behaviorismo moderno, junto com John B. Watson e Ivan Pavlov. Dividido em quatro partes, “B. F. SKINNER: uma perspectiva europeia”, de Marc N. Richelle, é obra que trata, respectivamente, (1) das questões controversas e contribuições inquestionáveis do autor; (2) da relação de Skinner com seus contemporâneos Piaget e Lorez, bem como, com seus predecessores Pavlov, Thorndike e Watson; (3) do que se considerou pedras de toque do behaviorismo radical, a saber: cérebro, cognição, linguagem e criatividade; e (4) do interesse de Skinner pela vida real.
Na primeira, uma visão geral da obra de Skinner já mostra a relevância precursora de suas contribuições ao mundo: o estudo experimental do comportamento, principalmente na neurofisiologia e na psicofarmacologia; a terapia para auxílio de pessoas com problemas psicológicos e deficiências; a indisposição humana para lidar com questões comportamentais também humanas que, embora apropriadas e efetivas à ciência, são tidas como inadequadas em questões tecnológicas ou médicas; a crítica às concepções e práticas tradicionais de ensino frente a um curso programado e utilizando máquinas de ensino, como o gravador, por exemplo. Na segunda, as reações automáticas e repetitivas estudadas por Pavlov resultando, em Skinner, num conceito de comportamento operante mais próximo da dinâmica do comportamento exploratório e criativo. A mensagem de Freud sobre a civilização e seu descontentamento, respaldada pela análise pessimista de Skinner das práticas sociais vigentes como leituras recomendáveis. A postura skinneriana de considerar a evolução biológica, a aprendizagem individual e a história cultural como atitude equilibrada dentro e fora da psicologia e da etologia para a discussão do comportamento. Skinner e Piaget recorrendo ao modelo evolucionário-construtivista para abordar o comportamento individual.
Na terceira, a abordagem cognitivista da psicologia desenvolvendo-se muito próxima às ciências do cérebro. A análise de Skinner sobre as questões sociais, educacionais, de tratamento psicológico e de controle político. A exploração da psicologia da linguagem enquanto diálogo interdisciplinar entre linguistas e psicólogos. O encorajamento do autor a projetos e ideias que, embora não acenassem aplicações práticas, desabrochavam resultados encorajadores. Na quarta, a implementação sistemática de estudos de validação em tratamentos psicológicos, inerente aos métodos atuais da terapia comportamental. A crítica da crença ingênua de que apenas o favorecimento de brincadeiras livres com materiais como tintas, argila e outros daria origem a pintores e escultores. A ênfase na necessidade de domínio técnico em áreas em que se almeja alcançar comportamentos criativos. O questionamento da possibilidade de se passar da análise experimental do comportamento humano para a ação política, bem como, se os sistemas sociais mantidos no mundo realmente se baseiam em liberdade. Um trecho? “Agora se reconhece amplamente que mudanças maiores devem ser feitas no [nosso] modo de vida. Não apenas não podemos encarar o resto do mundo enquanto consumimos e poluímos dessa forma, não podemos por muito tempo encarar a nós mesmos enquanto temos conhecimento da violência e do caos em que vivemos. A escolha é clara: ou não fazemos nada e permitimos que um futuro miserável e provavelmente catastrófico nos atinja ou usamos nosso conhecimento sobre comportamento humano para criar um ambiente social em que vivamos vidas produtivas e criativas e fazemos isso sem por em risco as chances de que aqueles que nos seguirem serão capazes de fazer o mesmo.”
Skinner, entretanto, também foi atacado por muitos que não comungavam de suas ideias. A isto, Marc Richelle, que foi aluno de Skinner e Piaget, afirma o seguinte: “Quando um homem é atacado por muitos ângulos diferentes, por pessoas que geralmente se opõem umas às outras, é provável que ele tenha provocado todas elas, possivelmente porque está dizendo coisas que ninguém quer ouvir. Seus adversários então recorrem a uma estratégia comum: eles obscurecem seu trabalho. Se o trabalho é escrito, eles o levam a uma má interpretação, ou eles próprios não o leem corretamente. Um tratamento de segunda mão leva a uma generalização da distorção. Ao confiar nas críticas em destaque, as pessoas deixam de ler o trabalho em primeira mão e argumentos infundados são reproduzidos e ampliados”. Richelle acumula muitos títulos. Dentre eles, é Professor Emérito da Universidade de Liége, na Bélgica, com mais de 250 publicações em francês, inglês, espanhol e hebraico. Em 1990, ganhou o Prêmio Quinquenal Ernest-John Solvay do Fundo Nacional da Pesquisa Científica (FNRS), maior prêmio científico da Bélgica. Em tempos de pandemia, repensar o sistema personalizado de ensino, e o uso de máquinas para tal, de Skinner, talvez mereça uma nova reflexão.