Por Luiz Carlos Merten
Mati Diop, de 37 anos. Bela e talentosa. De um diretor de cinema não se costuma dizer isso, mas é talvez porque eles não sejam. Mati foi atriz de Claire Denis. O tio, Djibril Diop, é figura histórica, um dos fundadores do cinema senegalês. O pai, Wasis Diop, é jazzista reputado. Mati fez sua formação em Paris. Dirigiu curtas de prestígio. Estreou no longa com Atlantique, premiado em Cannes no ano passado. Mais um filme que, à maneira de Bacurau, Parasita ou Coringa, não deixa de se excluir na grande vertente da revolta dos excluídos que marcou, como tendência, 2019.
Desde maio passado – Cannes -, tem havido um culto a Atlantique. O filme ficou fora da lista de indicados para o Globo de Ouro de melhor filme internacional, no domingo, 5, mas integra a shortlist do Oscar, e na segunda, 13, saberemos se estará entre os competidores da categoria em 2020. A imprensa especializada de língua inglesa – Film Comment, Sight and Sound – anda siderada por Atlantique. Desde quinta, 2, o filme pode ser visto no CineSesc. Em parceria com a Netflix, a sala da Rua Augusta está apresentando três filmes produzidos pela operadora de streaming. Dois foram lançados no cinema – O Irlandês, de Martin Scorsese; Dois Papas, de Fernando Meirelles – e concorrem no Globo de Ouro. Dificilmente estarão fora do Oscar. É uma pena que a operadora de streaming não tenha lançado A História de Um Casamento nos cinemas, no Brasil. O filme escrito e dirigido por de Noah Baumbach é recordista em indicações de cinema no prêmio da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de Hollywood.
Muito já falaram os críticos sobre O Irlandês, a conexão entre Máfia e política e o mistério, enfim elucidado por Scorsese e seu roteirista, Steve Zaillian, sobre o desaparecimento do notório líder dos caminhoneiros da ‘América’, Hoffa – que já merecera um filme de Danny DeVito, com Jack Nicholson, em 1992. Scorsese e o cinema de gênero – sim, os gângsteres, mas também o horror. Esses velhos monstruosos e seus códigos perversos de ética.
Joe Pesci, Robert De Niro e Al Pacino. São três horas e meia de filme até chegar ao desfecho da ligação entre pai e filha. Há controvérsia de que seja um grande Scorsese, embora seja um Scorsese grande. Virtuosismo, planos-sequências memoráveis, mas bem pouca coisa que já não estivesse nos filmes anteriores da trilogia da Máfia do autor – Os Bons Companheiros e Cassino. Velhos fósseis. Comparativamente, os outros velhos, de Fernando Meirelles, talvez sejam muito mais interessantes. Dois Papas, as mudanças na Igreja Católica. Dois homens que precisam perdoar-se por seus erros, Bento XVI e Francisco. Dois grandes atores, Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, que transformam o diálogo sobre música, futebol, pedofilia e Deus em algo vivo, pulsante.
E Mati Diop. Um casal jovem em Dacar. Amam-se, mas ela está prometida, vai se casar com um homem que não ama. Ele trabalha na construção civil, constrói a Dacar futurista, mas o capitalista não desembolsa os salários. Os homens lançam-se ao mar, sonhando com a Europa distante, uma nova vida. O mar, suntuosamente fotografado por Claire Mathon, responsável pelas imagens de O Estranho do Lago, de Alain Guiradie, e Retrato de Uma Jovem em Chamas, de Céline Sciamma, talvez seja o personagem maior que a vida de Atlantique.
O jovem morre no mar, mas como?, se ele é visto nas proximidades da festa de casamento, que termina com o incêndio da cama dos noivos. A polícia investiga, uma história de fantasmas, de mortos vivos. De alguma forma, a via fantástica, o amor triunfa, os excluídos fazem valer seus direitos. Difícil, para o cinéfilo, não pensar em Glauber – o que Barravento, com seus orixás, deveria ter sido, mas não foi, há quase 60 anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.