Nos últimos dias, a sociedade foi surpreendida por mais uma violência sofrida por uma mulher no Brasil. Desta vez, a agressão foi no ambiente de um tribunal virtual. O caso da influencer Mariana Ferrer ganhou as páginas dos principais veículos de comunicação, após o portal The Intercept Brasil revelar vídeo de audiência, no qual o advogado Claudio Gastão Filho, que defende o empresário André Camargo Aranha, acusado do crime de estupro contra a influencer em 2018 em Santa Catarina, tratou com agressividade a vítima durante o julgamento virtual. Os ataques ocorreram sem intervenções incisivas dos outros participantes da audiência, como o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis.
Nas imagens publicadas pelo portal, o advogado, de forma agressiva, ataca a vítima dizendo que as imagens publicadas pela influenciadora nas redes sociais, segundo sua opinião, estariam em posições “ginecológicas”. E diz mais: “peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”. “Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com aluguel atrasado há sete meses, era uma desconhecida. Vive disso. Isso é seu ganha pão né Mariana? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem”.
Além da agressão moral contra a vítima, este caso ganhou repercussão nacional porque o réu foi absolvido e ao noticiar todo este imbróglio, o portal The Intercept Brasil rotulou a decisão judicial como “estupro culposo”.
Importante esclarecer, então, que o réu não foi absolvido por estupro culposo. Na verdade, o Ministério Público entendeu que não haviam provas suficientes de que ele teria como saber que ela não poderia naquele momento responder por seus atos. Ou seja, ele não teve como perceber que ela estava bêbada ou drogada ao ponto de estar incapacitada de responder se queria ou não o sexo. O juiz entendeu, por isso, que o réu agiu com culpa e não dolo. E por não haver modalidade de culpa no crime de estupro, não poderia condená-lo. Ou seja, como não há estupro culposo, não há punição. Até aí é uma tese, esdrúxula, injusta, mas é uma tese.
Realmente, foi uma infelicidade do portal utilizar essa expressão “estupro culposo”. E mais infeliz foi a tese utilizada para absolver o réu. Entretanto, o que chocou toda a sociedade, na verdade, foi o tratamento dado a vítima na audiência, mais uma vez a inversão de valores e a culpabilização da vítima no caso de estupro.
O que o advogado do acusado fez na audiência foi cruel. Desmedido, desumano. Já não bastasse todo o sofrimento e trauma causado na vítima e seus familiares com o estupro em 2018, durante o processo todo houve a revitimização e a tentativa de culpar a vítima pelo estupro que sofreu. Tratamento que vai contra a Constituição Federal no ponto sobre a dignidade da pessoa humana e contra o tratamento das partes no processo. Como a própria Mariana Ferrer disse na audiência, nem um criminoso condenado seria tratado como ela estava sendo. Chegou ao ponto da influencer ter que implorar por respeito e, ainda assim, não foi atendida.
Este caso chocou a sociedade pela agressividade e falta de respeito e também pela omissão do juiz e do promotor que ouviram tudo sem dar uma palavra. É dever do magistrado conduzir a audiência e limitar os atos de quem quer que seja. Que o Conselho Federal de Justiça (CJF) faça a Justiça contra essas omissões e não provoque uma insegurança jurídica ainda maior para os casos de estupro pelo Brasil afora.
Esse caso não pode ser tratado como apenas um caso esporádico. A mulher, na maioria das vezes, já é humilhada na delegacia ao denunciar o estupro sofrido. Roupa curta, excesso de bebida e estar na rua tarde da noite, entre outras ações, não autorizam sexo sem permissão. A mulher jamais pode levar a culpa pelo estupro independentemente das circunstâncias. A lei brasileira que pune o estupro de vulnerável deve ser aplicada e respeitada, principalmente pelos operadores do direito e magistrados, que deviam ser os principais guardiões da Justiça no país. Fica aqui uma questão: até quando a mulher, vítima de estupro, será humilhada no Brasil?