Quarta-feira, 8 de novembro de 2017, por volta das 10h30 recebo uma ligação do meu amigo Luiz Carlos Martins dando conta de que Paulinho de Souza havia acabado de falecer. Toda partida de um amigo ou parente é sempre um choque, mas é a vida, tem que ser assim, todos temos nosso tempo aqui neste planeta, não ficamos um segundo além do que fomos programados para ficar.
Muito triste, vinha acompanhando nos últimos meses sua luta pela vida. Sua esposa Guta, grande guerreira, fiel companheira, não descuidava dele nem por um minuto. Fui visitá-lo e ela disse que tudo começou quando ele foi subir alguns degraus onde mora, parando no caminho porque lhe faltava ar e que a partir de então seu estado veio a lhe causar preocupação. Ele mal respirava, mas não entregava os pontos.
Disse-me Guta que seu médico o proibiu de cantar e tocar na noite, mas como? Isso era seu remédio, sua cura, isso era sua vida. A música – sempre a música –, sua loucura por ela era tanta que tinha vários violões em casa. Disse-me Guta que quando contou ao médico que apesar de proibi-lo, ele insistia em tocar seu violão e cantar mesmo com a fragilidade de seu pulmão, o doutor não acreditou e foi conferir lá no Novo Mercadão.
O viu o deixou estarrecido. Paulinho cantava e tocava seu maravilhoso violão, tendo em sua retaguarda um cilindro de oxigênio e demais parafernálias que lhe davam suporte – tudo seria utilizado caso tivesse dificuldade para respirar. Era Guta quem montava todo equipamento de som, regulava, colocava seu violão no suporte e, depois de tudo armado, ia até o carro buscá-lo, tudo isso para que ele não gastasse a energia que precisaria na apresentação.
Contra sua vontade teve que parar de cantar. A UTI da Santa Casa o fez sossegar por muitos dias, deu uma melhorada, voltou pra casa, os amigos iam vê-lo. Entre eles estava Giba do Pandeiro, que até tocou com ele em sua sala e depois me ligou para dizer como nosso grande músico estava. Nada de boas notícias.
Quando surgiu a notícia de sua partida, um filme do que sei da vida de Paulinho de Souza rebobinou em minha mente e passei a assisti-lo. Ele é filho do senhor Paulinho, trombonista dos bons, maestro da banda da nossa Polícia Militar do Estado de São Paulo, que passou para o filho a arte de ser um bom músico.
Paulinho foi aluno do professor de música nosso saudoso Orvildes Simões, compositor e autor do hino do Botafogo FC em parceria com Ricardo Ribeiro. Com 16 anos era tão fã da atriz Dina Sfat que adotou o sobrenome dela, gostava que o chamassem de Paulinho Sfat. Aos 18 anos foi servir o Exército Brasileiro, em Brasília, era o corneteiro-mor, era dele o “toque da alvorada” – além de acordar os recrutas, fazia parte da Guarda Presidencial. Paulinho contava suas aventuras quando aquartelado e ria muito dizendo: “Buenão, toquei muita corneta pro presidente Figueiredo, que não sorria nem a pau”.
Tentou ser músico no Rio de Janeiro. Ele contou que cruzou muito nas noites cariocas com Sócrates em sua época de Flamengo. Voltou pra Ribeirão Preto tornando-se um dos músicos mais respeitados do Brasil, acompanhando artistas nacionais, e era atração nas casas noturnas da época.
Quando fui fazer meu show “Bueno canta sambas imortais” precisava convocar os músicos e o primeiro nome que veio na minha cabeça foi o de Paulinho de Souza. Fiquei super feliz por ter aceito. Mais: convidou mais três bambas para tocarem com ele. Foi um senhor show.
Muitas outras histórias vivi com ele, mas quero falar sobre duas composições minhas em parceria com Nando Antunes, escritor e poeta carioca e irmão do craque do Flamengo e Seleção Brasileira Zico. Convidei Paulinho para fazer os arranjos e tocar violão, ele deu um show, nascia ali nos estúdios do Rildo, “Meu velho pai” e “Ceará meu grande amor”, com sua assinatura. Lembrança mais linda que esta não poderia guardar de Paulinho de Souza, e me despeço dizendo: “Até nosso reencontro, Paulinho.”
Sexta conto mais.