Tribuna Ribeirão
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As tantas facetas do Carnaval 

Perci Guzzo *
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Carnaval é ilusão. Uma ilusão que nos projeta para além do nosso senso comum e nossos sentimentos rotineiros. Ilusão que nos permite acessar beleza e encanto que dificilmente acessaríamos nos outros dias do ano. A ilusão atingível. Aquela que nos expande, que descobre algo novo em nós mesmos. Magia. Um engano autorizado. Uma profusão de encontros inesperados; encontros bons. Descobrimento.

Carnaval é música. Música boa: repertório e qualidade do som. A alma de um bom carnaval quem faz é a música. Marchinhas e frevos precisam de instrumentos de sopro. Todos os gêneros demandam ótima percussão. Cantoras e cantores que conheçam as letras. Nós fazemos música muito bem no Brasil; não há motivo para perdermos pontos neste quesito. Em fevereiro, vale a pena investir em música, nos músicos, em nossa musicalidade.

Carnaval é lixo. Muito lixo, galera! Insustentável. Plástico e isopor nadam de braçada em nossos rios e mares após os carnavais. Comprovado está o estrago do glitter e da purpurina para a vida aquática. Vamos nos reinventar, pois criatividade também é faceta do carnaval. Basta de microplásticos em nossas faces e em nossas fantasias! Está colocado o desafio de diminuirmos os descartáveis nos dias de folia. Dá pra fazer uma festa mais limpa.

Carnaval é rua. Faz toda a diferença! Ganhar as ruas caminhando em grupo ou na multidão é uma sensação de conquista pacífica e feliz. Libertar as ruas de tantos veículos! Transbordar para as calçadas. Tomar as praças. Fazer o carnaval ao ar livre nos revela a verdadeira liberdade coletiva. Sempre que possível, sair. Que horas sairá o cortejo de maracatu; a troça de frevo? “Eu quero é botar, meu bloco na rua” (Sérgio Sampaio).

Carnaval é alegria. Sentimento prazeroso, contagiante, mas não obrigatório. Quando criamos “Os Alegrões” (2005/06), uma das primeiras ideias foi fazer uma festa popular que despertasse a alegria das pessoas. Para que fosse algo genuíno de cada um/a, os apelos viriam, sobretudo, do carnaval ingênuo das crianças e do resgate de expressões emblemáticas do carnaval brasileiro. Sim, um passado que fora experimentado – talvez -com uma alegria mais autêntica. A prova dos 9, como disse Oswald de Andrade.

Carnaval é logística. Corretíssimo! Os/as preitos/as deveriam se envolver, se contagiar e se comprometer com apoios consistentes de segurança pública, amparo em caso de acidentes, estrutura de som, cachês, banheiros químicos, limpeza, liberação e organização de ruas e praças, entre outras necessidades. Tudo isso de maneira planejada; jamais no improviso ou duas semanas antes de iniciar os festejos.

Carnaval é perna. Muita, muitas. Ficar em pé por longos períodos, dançar, pular, caminhar distâncias até chegar próximo ao carro de som, assistir o desfile na geral, enfim, sustentar-se. Carnaval pede condicionamento físico, além de ser a grande oportunidade de exibição dos nossos corpos; menos ou mais malhados. Almira Castilho, esposa de Jackson do Pandeiro, em sua composição “Papel Crepom”, diz “pernas foram feitas também para mostrar”. Delícia!

Carnaval é política. Sim, uma festa (des)engajada. As escolas de samba em seus desfiles e enredos riquíssimos nos trazem informações e formações que nenhum outro meio conseguiria fazê-lo com tanta maestria. As pautas identitárias neste Carnaval de 2024 explodiram nas avenidas. Gritos de ordem entoados pela multidão sobem aos ares e ganham até mesmo ouvidos corriqueiramente moucos.

E muitas outras facetas que podemos identificar nestes dias despojados em que buscamos leveza, criatividade, cores, sedução, fantasia e estados alterados de ser e estar.

Mas, todo carnaval tem seu fim.

“Anda Luzia, pegue o pandeiro e vem pro carnaval/ Anda, Luzia, que essa tristeza te faz muito mal/ Apronta a tua fantasia/ Alegra o teu olhar profundo/ Que a vida dura só um dia, Luzia/ E não se leva nada deste mundo” (Braguinha).

* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições  

 

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