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As palavras e as coisas

O francês Foucault, abrindo as portas do seu livro “As Pala­vras e as Coisas”, cita o argentino Jorge Luís Borges que, com arte “do riso que sacode, a sua leitura”, refere-se a todas as familiari­dades do pensamento, em “Do Mesmo e do Outro” referindo-se a uma enciclopédia chinesa que indicava a seguinte divisão dos animais: “a) pertencentes ao imperador; b) embalsamados; c) domesticados; d) leitões; e) sereias; f) fabulosos; g) cães em liber­dade; h) incluídos na presente; i) que se agitam como loucos; j) inumeráveis; k) desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo; l) et cetera; m) que acabam de quebrar a moringa; n) que de longe parecem moscas”.

Surpreende saber que Borges era cego e diretor da Biblioteca de Buenos Aires. Cita Chuang Tzu “que sonhou que era uma mariposa e ao despertar não sabia se era um homem que sonha­ra ser uma mariposa ou se agora era uma mariposa que estava sonhando que era um homem”.

O livro de Foucault reflete a certeza incerta das nossas visões, tomando como prova o quadro “Las Meninas” de Velásquez, no qual o artista aparece pintando um quadro que está de costas para o espectador. Qual é o quadro enxergado pelo visitante? Do pintor que de dentro do quadro olha para o espectador? Ou do espectador que não poderá saber o que o Velasquez retratado está pintando? Ou há um meio de perceber o objeto oculto do quadro de costas para o visitante do Museu do Prado?

Foucault arrasta as aparentes dificuldades daqueles que apreciam “Las Meninas” para o mundo das palavras escritas e faladas. Elas têm uma verdade única? Há verdades ocultas nas palavras? Como investigar o mistério? Afirma-se que “Las Meni­nas” é o mais perfeito quadro conhecido!

Há muitos mistérios. A segunda parte da Ave Maria em latim assim se expressa: “nunc et in hora mortis nostrae”. Um tradutor apressado irá traduzir: “nunca e na hora da nossa morte”, sem sa­ber que originariamente a palavra “nunc” em latim virou “agora” em português: “agora e na hora da nossa morte”.

Na lógica de Aristóteles existem apenas cinco sinais: a negação, o “e”, o “ou”, o “se” e o “se e somente se”. O conecti­vo “e” será verdadeiro se ligar duas proposições verdadeiras, falso em todas as demais hipóteses. O conectivo “ou” será verdadeiro se ligar duas proposições sendo pelo menos uma verdadeira. E assim qualificando todas as demais hipóteses. Aristóteles teria inventado o computador?

Os árabes quando invadiram a Península Ibérica, ensina­ram que todos os números conhecidos estavam na combina­ção de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e zero. Os europeus que usavam os algarismos romanos ficaram aturdidos. Mas o que é o zero?

O zero? A palavra zero foi extraída de “zéfiro” o fraco vento que soprava na Índia, de onde os árabes trouxeram o insuperável “sistema decimal”.

Por mais claras que sejam as palavras, por mais rígidos que sejam os números, por mais intrigantes que sejam os quadros, não se pode extrair deles uma certeza universal. As meninas pintadas por Velasquez não foram universalizadas, mas, sim, o objeto do quadro oculto, em exposição no Museu do Prado em Madrid.

Muitas vezes os homens e seus governantes envolveram-se em guerras tendentes à universalização de suas ordens faladas, ancorados em uma ou em algumas palavras de pouquíssima ve­racidade. Não matam e não morrem pelo significado da expres­são, mas, sim, pelo que acreditam no que estão vendo escondido atrás dos seus fantasmas. E os fantasmas existem?

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