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As lutas do educador Negro Belchior

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

O educador Douglas Bel­chior, mais conhecido como Negro Belchior, é o fundador da Coalisão Negra por Direi­tos e atua na defesa dos direi­tos humanos e sociais, com ênfase no combate ao racismo. Foi o criador da UneAfro, or­ganização do movimento ne­gro brasileiro, que atualmente possui 40 núcleos de educação popular – a maioria na grande São Paulo -, que oferece cursos preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outros vestibulares, sempre de forma gratuita.

Para Belchior, um passo fundamental para a inserção da população negra e perifé­rica é a eleição de candidatos que tenham atuação efetiva nas organizações do movi­mento negro e demonstrem em sua trajetória política o compromisso com a promo­ção da vida desta população.

Tribuna Ribeirão – O se­nhor é fundador da UneAfro. O que é e qual o objetivo des­te movimento?
Douglas Belchior – A Une­Afro é uma organização do movimento negro brasileiro que carrega consigo as tra­dições históricas de luta pelo direto à vida e à educação da população negra no Brasil. Desde os tempos do período em que as pessoas negras eram tidas como bens e forçadas ao trabalho compulsório. Hoje temos 40 núcleos de educação popular antirracista nos quais desenvolvemos cursos prepa­ratórios para o Exame Nacio­nal do Ensino Médio (Enem) e demais vestibulares, sempre de forma gratuita. Também atu­amos com formação de pro­fissionais da educação para a implementação da Lei Federal nº10.639/03 que dispõe sobre o ensino de História da África, Cultura Afro-Brasileira e com­bate ao racismo nas escolas brasileiras. Promovemos ações de Igualdade Racial, Segurança Pública, Justiça Racial, Educa­ção, Racismo Ambiental, Ju­ventude e Direitos Humanos.

Tribuna Ribeirão – Um dos trabalhos conhecidos da Uneafro são os cursinhos pré-vestibulares comunitá­rios. Como eles funcionam?
Douglas Belchior – Ofe­recemos uma metodologia de trabalho, com formação e apostilas de estudo destina­das aos estudantes. Temos um acompanhamento periódico para dar suporte às necessida­des de cada um dos núcleos. É importante dizer que, mesmo oferecendo material didático e apoio pedagógico, os núcleos continuam tendo autonomia para tomar suas decisões e encaminhar o trabalho da melhor maneira. Além disso, disponibilizamos o núcleo virtual, que foi desenvolvido durante a pandemia, mas que continuará atendendo aos es­tudantes que não podem es­tudar presencialmente.

Tribuna Ribeirão – Em que locais eles existem?
Douglas Belchior – Os 40 núcleos estão distribuídos nas periferias da cidade de São Paulo. Temos um núcleo na cidade de Bebedouro e atende­mos também na cidade do Rio de Janeiro e no Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia.

Tribuna Ribeirão – No Brasil fala-se muito em racis­mo estrutural. Como comba­tê-lo?
Douglas Belchior – O Es­tado Nacional no Brasil foi constituído por meio da força das mãos negras e indígenas. Entretanto, a violência sistêmi­ca alijou essas populações do exercício de seus direitos fun­damentais. Os dados relativos à fome no Brasil mostram que 43,4 milhões (20,5% da popu­lação) não conta com alimen­tos em quantidade suficiente, isto é, estão em condição de insegurança alimentar mo­derada. Já 19,1 milhões (9% da população) está passando fome em condição de insegu­rança alimentar grave. Desse universo, a maior parte é de mulheres negras, pois a fome no nosso país atinge em pri­meiro lugar a casa das mulhe­res negras. Precisamos cons­truir um processo, enquanto sociedade, de reconhecimen­to de que o racismo é um siste­ma de dominação que sujeita a população não branca no Bra­sil. É preciso construir ações institucionais de políticas de reconhecimento de redistri­buição da riqueza, de bens materiais e simbólicos levando em conta o componente racial e o histórico do racismo ao qual estamos submetidos.
Um passo fundamental para a efetivação desse pro­cesso é a eleição de candidatos que estejam não apenas com­prometidos, mas centralizados pela pauta antirracista, isto é, que tenham atuação efetiva nas organizações do movimento negro e demonstrem em sua trajetória política o compro­misso com a promoção da vida da população negra.

Tribuna Ribeirão – A edu­cação é um dos caminhos para a conquista de direitos pela população negra e peri­férica?
Douglas Belchior – Políti­cas educacionais são centrais para a construção de uma sociedade com justiça racial. Uma educação antirracista ga­rante sua efetivação enquanto um direito fundamental, assim como preconiza a Constitui­ção Brasileira. Isso significa di­zer que o Brasil precisa avançar nesse mesmo sentido e garan­tir que, por meio do Sistema Nacional de Educação, o que está sendo discutido no Con­gresso Nacional, possa se fazer valer como foi estabelecido no artigo 3˚ da Constituição de 1988. Ou seja, que, dentre as finalidades fundamentais do Estado Democrático de Direi­to, encontra-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária possibilitando a redu­ção das desigualdades de raça e gênero, das disparidades regio­nais e das discriminações que aviltam a dignidade da pessoa humana, com recursos especí­ficos na área da educação.

Tribuna Ribeirão – Em sua avaliação, a população negra e periférica tem se arti­culado para reivindicar seus direitos?
Douglas Belchior – A po­pulação negra sempre esteve mobilizada e construiu uma luta política contra as amea­ças que sofreu, sofria e sofre até os dias de hoje. Podemos dimensionar o significado da Frente Negra Brasileira, um movimento político de pesso­as negras que abriu frentes de alfabetização de adultos nos anos trinta? Que articulou acesso à moradia popular e tinha mais de 40 mil pessoas negras filiadas? Não sabemos disso porque essa história não nos é contada. Se tomarmos a experiência do Brasil, no Século XX, a partir dos anos 60, pessoas negras ligadas a organizações de esquerda, ou organizações do movimen­to negro sempre estiveram construindo, elaborando, for­mulando a política e a agenda nacional. O problema é que a lógica da operação e da repre­sentação política e histórica brasileira sempre nos negou o espaço da glória, mesmo após a nossa morte.

Tribuna Ribeirão – Ribei­rão Preto tem cerca de cem núcleos de favelas com apro­ximadamente 50 mil mora­dores. Como mudar esta re­alidade?
Douglas Belchior – Uma das primeiras tarefas é cons­truir uma mobilização popular forte e incluir a população po­bre, negra e favelada na agenda positiva do prefeito e do Esta­do. Não é só o prefeito fazer uma visita e tomar café na casa de alguém. É incluir no orça­mento da cidade as necessida­des objetivas das pessoas que moram nessas regiões.
Agora, essas pessoas não podem ter medo. Têm que fa­zer política com a liderança em que se possa confiar para representar os interesses do lugar onde elas moram. É pre­ciso perguntar e descobrir qual a agenda essa pessoa tem. Qual a história dela. A qual partido ela está filiada. Ela se parece fisicamente com você? Quem essa pessoa apoiou nas últi­mas eleições? Essas são todas questões que devem ser leva­das em conta para formar o juízo de quem vai te repre­sentar junto ao prefeito para fazer as coisas se transforma­rem onde elas moram.

Tribuna Ribeirão – O se­nhor já se candidatou a car­gos eletivos. Pretende ser candidato este ano?
Douglas Belchior – As instituições são uma dimen­são importante da vida políti­ca. Desde a formação da vida pública nacional, esses espa­ços foram negados à popula­ção negra e às mulheres, por exemplo. O perfil da política institucional brasileira é de ho­mens brancos, de famílias ricas e herdeiros do capital de suas famílias. Talvez, esse seja um dos motivos pelos quais é tão difícil mudar as coisas no Bra­sil. Nesse sentido, pessoas de outras origens, pessoas negras precisam se candidatar.
Eu dediquei minha vida à construção do movimento ne­gro, da esquerda brasileira, não fiz nada sozinho, muitas pes­soas estão comigo. Faço uma representação de decisões co­letivas, e, desta maneira, eu fui candidato a deputado federal em 2018. Fizemos um trabalho espetacular levando em con­ta os recursos que tínhamos, obtivemos 46.760 votos. Neste caminho, ainda estudamos a possibilidade de candidatura.

Tribuna Ribeirão – Como o senhor avalia a situação da sociedade mais pobre duran­te o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Douglas Belchior – Vejo desespero e tragédia por onde eu passo. Muitas famílias mo­rando na rua e muita gente pas­sando fome. De forma geral, caiu a qualidade da nossa ali­mentação porque os alimentos estão mais caros e as pessoas perderam renda. Além disso, o país teve uma gestão terrível da pandemia da covid-19, mais 660 mil pessoas mortas, muita mentira em torno da credibi­lidade das vacinas, além das supostas práticas de corrupção em torno da compra das vaci­nas. A prática da enganação e distribuição gratuita de remé­dios ineficazes para pessoas desesperadas, muitas vezes, com dificuldades para sobre­viverem. Hoje há mais armas em circulação, mais repre­sentantes das forças armadas nacionais com intenção de disputar as eleições. Nas rela­ções interpessoais e institucio­nais as práticas ostensivamente racistas se intensificaram.

Tribuna Ribeirão – Em sua avaliação a polarização entre a esquerda e a direita é boa ou ruim para o Brasil?
Douglas Belchior – Penso que essa seja uma armadilha de análise do ponto de vista da questão. O que está em jogo não é de que lado você está ne­cessariamente, e sim, quais são as relações de poder que es­tão em jogo. Entre o preto e o branco, há um prisma de cores e evidentemente é sempre im­portante perceber as nuances das cores, conversar e propor alianças. Entretanto, nunca é possível perder de vista quem paga pela conta de luz, sob pena, de que a depender do acordo, todo mundo poderá ficar no escuro.
Estamos em um momento delicado e precisamos derro­tar, nas urnas, o Bolsonaro. Pa­rece-me que esse é o ponto de contato que une uma parcela significativa da sociedade bra­sileira. Nela eu me incluo.

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