Nos últimos dois anos, Jane dos Santos, casada, mãe de uma filha de dois anos, viu a renda familiar cair substancialmente. Funcionária em uma empresa de eventos foi demitida e durante algum tempo a família se manteve apenas com o salário do marido. Algo em torno de R$ 3 mil.
Hoje, novamente empregada com consultora comercial, recebe por uma jornada de trabalho diária de seis horas, R$ 1.500. Metade do que ganhava no emprego anterior. “Mesmo tendo voltado ao mercado de trabalho a renda mensal de minha família diminuiu cerca de 30%,” contabiliza a consultora.
Para pagar contas e arcar com despesas essenciais, como telefone, água, luz, e alimentação Jane teve que se readequar à nova realidade financeira e viver com menos dinheiro. Ela explica que nos finais de semana se dedica a eventos, o que tem garantido renda extra, considerada por ela fundamental neste período de crise que milhões de brasileiros vivem. Um total de 13,2 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, divulgados na sexta-feira.
A diminuição da renda familiar enfrentada por Jane não é um caso isolado em Ribeirão Preto. Dados sobre renda e empregabilidade divulgados há quinze dias pelo Ministério do Trabalho, revelam que a média salarial das dez funções com mais admissões, no primeiro trimestre de 2019 no município caiu 4% em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso significa que quem estava desempregado e conseguiu voltar ao mercado de trabalho teve sua renda reduzida. O levantamento mostra que a média salarial caiu de R$ 1.285,54 para R$ 1.235,29.
O menor salário registrado pelo levantamento foi o de operador de telemarketing, R$ 844,93. Já o maior salário de contratação registrado neste ano, em Ribeirão Preto, segundo o Ministério do Trabalho, foi o de um diretor de produção com salário de R$ 51.571.
Levantamento feito pelo Tribuna junto ao Sindicato dos Empregados do Comércio de Ribeirão Preto, um dos setores com mais trabalhadores na cidade, mostra que o salário da categoria não é muito animador. Os cerca de trinta mil comerciários, das quase nove mil empresas do setor existentes na cidade, têm piso negociado em Convenção Coletiva de Trabalho que varia de R$ 1.402,00 para empregados em geral; R$ 1.237,00 para faxineira e copeira e R$ 1.508,00 para operadores de caixa.
De acordo com o Sindicato, geralmente os gerentes e os encarregados de departamento recebem mais que os pisos, em media o dobro dele. Já os empregados comissionados têm a garantia de um salário de R$ 1.646,00, caso não consigam alcançar este valor somente com as comissões de vendas. Só para efeito comparativo o aluguel médio de uma imóvel para quatro pessoas em bairros populares de Ribeirão Preto é de R$ 700,00.
Ritmo lento
Além da queda no poder aquisitivo outro fator que tem influenciado a reinserção no mercado de trabalho é o ritmo com que a economia tem se recuperado.
Segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, apesar de ter fechado abril com uma alta de 78,7% na geração de empregos, a cidade está abaixo do ano passado, quando a comparação é feita no período de janeiro a abril e segue 13,74% inferior a 2018, quando foram gerados 2.771 empregos. Este ano a geração foi de 2.390.
Para a presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Ribeirão Preto, Regina Pesoti Zagretti, as perspectivas não são muito animadoras. Ela acredita ser impossível falar em índice de recuperação do setor já que o governo prevê redução no Produto Interno Bruto (PIB).
“Para os próximos meses vemos uma estagnação na economia. A Reforma Trabalhista foi aprovada para criar empregos e hoje temos mais de 13 milhões de desempregados e quatro milhões de desalentados. O mesmo acontecerá com a aprovação da nova Lei Previdenciária, pois está provado que a criação de emprego está intimamente atrelada ao desenvolvimento econômico,” afirma.
Sem dinheiro Sindicato extingue cursos
Se a reinserção ao mercado de trabalho passa necessariamente pela requalificação profissional, os comerciários de Ribeirão Preto perderam um importante instrumento neste sentido. Isso porque, com a recém-criada Reforma Trabalhista os sindicatos passaram a ter sérias dificuldades para arrecadação da Contribuição Sindical.
No caso do Sindicato dos Empregados no Comércio de Ribeirão Preto, a queda na receita provocou a demissão de mais de cinqüenta empregados e o encerramento de atividades de vários departamentos e dos cursos de qualificação profissional.
A entidade mantinha uma Escola Técnica de Comércio, com cursos de Contabilidade, Administração e Segurança do Trabalho, além de Cursos de qualificação de curta duração. A entidade também mudou há cerca de cinco meses, sua imponente sede no centro da cidade para um imóvel menor no bairro Campos Elíseos.
Com a reforma o Sindicato afirma que não tem mais como contabilizar o total de demissões no setor em Ribeirão Preto. Porque a nova lei trabalhista determinou que o pagamento das verbas rescisórias deve ser efetuado na própria empresa, afastando no ato da homologação, da demissão tanto o sindicato, como o próprio Ministério do Trabalho e Emprego.
Profissional opta por ganhar menos
Exceção à regra, Giany Amary, 50 anos, decidiu abrir mão do salário que tinha para se dedi car ao seu sonho pr ofissional: a educação. Coordenadora regional de equipe em uma grande empresa, o que a fazia ficar muito tempo viajando, ela decidiu que era hora de se dedicar integralmente à faculdade de Sociologia.
Para isso, deixou a empresa, passou a estudar muito e a testar seus conhecimentos em concurso públicos sendo aprovada no de agente administrativo, realizado pela prefeitura da cidade de Dumont.
Com um salário de apr oximadamente R$ 2 mil, bem inf erior ao que recebia anteriormente, ela não se arrepende porque diz ter se programado para isso. “Sei que o trabalho atual é temporário por que meu objetivo é trabalhar com educação. Mas, para inv estir nesta meta tive que abrir mão de algumas coisas e dar um passo para trás,” diz.
A futura educadora admite, por ém, que apesar de já ter certa independência financeira, quando precisa pede ajuda à família.
Especialista diz que reforma não aumentou empregos
Para o advogado Ricardo Miguel Sobral, mestre em direito constitucional e secretário adjunto Ordem dos Advogados de Ribeirão Preto, a reforma trabalhista foi apresentada no governo do então presidente Michel Temer sob a justificativa de que a redução de formalidade nas regras, na lei e a liberdade entre empregados e empresas geraria aumento do emprego e crescimento econômico.
Entretanto, segundo ele, após um ano e meio, os argumentos se mostraram falsos, pois não houve incremento do número de empregos tampouco aumento de renda em atividades executadas sem o respectivo vínculo formal de trabalho.
“O que se observou na prática foi a redução de praticamente 50% do número de processos judiciais na justiça do trabalho em nossa região,” afirma Sobral para quem a política relacionada à justiça do trabalho e à proteção ao trabalhador sofreu um ataque nos últimos anos, não só pela reforma trabalhistas , mas por ter enfraquecido o papel dos sindicatos.
Ele destaca, que a Reforma criou o que chama de “alguns poucos pontos positivos”. Um deles a homologação pela Justiça de Acordo Extrajudicial que garante às partes uma composição amigável e sob o crivo de um magistrado do trabalho para evitar abusos.
O advogado argumenta que cabe agora à sociedade e aos operadores do direito entender se a legislação trabalhista deve se manter da forma como está ou ser ajustada e se alinhar com os interesses da própria sociedade. “Notadamente os trabalhadores de menor renda e fragilizados nessa relação”, conclui.
Em uma década: despesas com servidor aumentaram 62%
A Administração Municipal de Ribeirão Preto aumentou nos últimos dez anos em 62% os gastos com os servidores municipais. O levantamento é do Observatório Social de Ribeirão Preto, entidade que analisa a transparência nas contas públicas. As despesas saltaram de R$ 1 bilhão em 2009 para R$ 1,634 bilhão em 2018.
Segundo o levantamento, Ribeirão Preto está entre as 17 cidades do país com população entre 500 mil e 900 mil habitantes, que mais gastam com servidores. Não estão nesta lista às capitais brasileiras.
O Observatório explica que dos R$ 1,634 bilhão desembolsados em 2018, metade foi destinado a salários e despesas fixas, que subiram 53% neste período. Resultado: o servidor público de Ribeirão ganha em média R$ 5,8 mil por mês, um dos 11 maiores do Estado, somente atrás da remuneração de Campinas.