Adalberto Luque
De 12 a 17 de setembro, o sistema penitenciário liberou milhares de presos em todo o Estado de São Paulo em mais uma saída temporária, a popular “saidinha”, que faz parte do regime de progressão de pena. O número total de presos beneficiados com a medida não foi divulgado. No período das saídas temporárias, há uma grande inquietação por parte da população, diante da soltura de tantos detentos simultaneamente. Mesmo que monitorados, há muita oposição à medida que, na teoria, serviria para ressocializar o preso em processo de fim de cumprimento da pena, em que, de acordo com a Lei, ele estaria quite com o crime cometido, nada devendo à sociedade.
Na prática, no entanto, os números demonstram que a população tem razão em se sentir insegura. Graças a um acordo firmado entre a Secretaria da Segurança Pública (SSP) e a Justiça, 118 condenados que descumpriram medidas impostas pelo judiciário durante a saída temporária foram presos e encaminhados diretamente para suas unidades prisionais. Isso ocorreu em apenas cinco dias na saída temporária de setembro.
Segundo o Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional (Sifuspesp), pela primeira vez desde a adoção da tornozeleira eletrônica, o Governo de São Paulo determinou que, mesmo detentos com histórico de crimes violentos, não seriam monitorados durante a saída temporária de 12 a 17 de setembro.
O Sifuspesp encaminhou cópia de e-mail enviado no dia 06 de setembro pelo diretor do Centro de Segurança da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), Luiz Gonzaga de Oliveira Júnior, informando a medida aos diretores de unidade, que teria sido tomada pelo secretário da pasta, Marcelo Streifinger. O e-mail não trazia explicação sobre a decisão.
O presidente do Sindicato, Fábio Jabá, criticou a medida. “Geralmente presos considerados mais perigosos, faccionados, com histórico de crimes sexuais e outros crimes violentos, são monitorados por tornozeleira a cada saída da prisão. A decisão de colocar essas pessoas na rua sem monitoramento, além de não ter precedentes no estado, é uma ameaça à segurança pública”, alerta.
O Sifuspesp aponta que uma licitação contratou serviço de monitoramento em que cerca de 1,7 mil detentos deveriam ser vigiados a cada saída temporária, que acontece trimestralmente.
“A custódia de presos é papel da SAP, inclusive quando estão em medidas cautelares diversas à prisão, portanto, o monitoramento por tornozeleira eletrônica é nosso trabalho também. Mas percebemos que, aos poucos, essa atribuição tem sido abandonada pelo governo e agora chegou ao ponto máximo. Desde a adoção das tornozeleiras eletrônicas pelo Estado, há uma década, nunca houve uma decisão dessas, que libera todo mundo sem vigilância”, denuncia.
Medo e criminalidade em alta
Para o Sindicato, no período de “saidinha temporária”, além de ter maior incidência de crimes, há também o temor de vingança do crime organizado.
“Muitos companheiros foram assassinados fora dos presídios, em razão do trabalho que faziam dentro deles. O convívio diário numa estrutura precária como é o sistema prisional funciona como uma máquina de produzir conflitos. E esses conflitos muitas vezes terminam em vingança contra nossos colegas. Libertar presos faccionados sem monitoramento coloca em risco a segurança não só da sociedade, mas dos servidores também”, aponta Jabá.
A saída temporária fez com que a SSP buscasse firmar acordo com a Justiça para recolher presos que fossem pegos descumprindo as regras da saída temporária diretamente para suas unidades prisionais. E comemora os números obtidos nos cinco primeiros dias da última temporada de ‘saidinha”.
“O número, por si só, já mostra a eficiência do projeto inédito. Vamos combater diretamente a reincidência criminal, retirando das ruas condenados que, porventura, possam cometer novamente algum tipo de crime. A população terá mais segurança com essa medida, já que se sente extremamente vulnerável durante todas as saídas temporárias, sensação comprovada pelos índices criminais do período”, ressalta Guilherme Derrite, secretário da Segurança Pública.
Na saída temporária de julho, quando a SSP determinou que todo detento que descumprisse tais regras fosse levado diretamente para a penitenciária pelas polícias, o número de furtos caiu de 14.972 para 11.920. Já os roubos caíram de 5.907 para 4.822, sempre comparados ao ano passado, sem a medida que prevê tolerância zero ao detento em saidinha. Isso foi possível graças ao aceite da SAP.
“Agora, com as informações sobre os detentos no tablet da viatura, a medida será ainda mais efetiva, pois rapidamente o policial irá identificar quem está sob o regime e tomar as atitudes cabíveis”, completa Derrite.
Entre vários casos, na região de Ribeirão Preto, dois chamaram a atenção.
Um preso, irritado por perder o ônibus, acabou sendo levado para uma delegacia, na quarta-feira (13), depois de danificar uma tornozeleira eletrônica. Ao ser abordado, estava sem tornozeleira. Na delegacia e acabou liberado após assinar um termo de compromisso.
Em outro caso, um homem beneficiado pela medida foi preso em Jaboticabal após espancar, atropelar e roubar uma ex-namorada. Ele estava sem tornozeleira e acabou preso após buscas da PM.
A “saidinha” temporária, além de aumentar a sensação de insegurança, traz mais trabalho às forças policiais. Uma questão que, para muitos, deveria ser revista. Até porque, de acordo com levantamento da SAP divulgado na imprensa, entre 2015 e 2019, 24,4 mil presos não voltaram às unidades prisionais após as saídas; cerca de 5 mil detentos ao ano. O número equivale a 4% do total de beneficiados no período. A próxima saída temporária está programada para 23 de dezembro.
Retrabalho
Em relação à “saidinha”, a comunicação entre a Polícia Militar e a Justiça sobre a captura de infratores desrespeitando medidas cautelares não era feita de forma direta, o que impossibilitava um monitoramento eficaz. Caso fosse abordado, só era possível verificar sua condição junto à Justiça na delegacia. Com o novo acordo, porém, o processo de checagem ganhou mais agilidade. No caso de um preso durante saída temporária abordado fora de casa no horário determinado, por exemplo, ele é levado diretamente à penitenciária.
Porém, é inegável que os policiais civis, militares e penais acabam tendo muito mais trabalho. Somado a isso, há também a questão da Audiência de Custódia, em que o preso é avaliado no dia seguinte à sua prisão em flagrante e o juiz pode determinar que responda pelo crime em liberdade. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Guariba, quando dois homens assaltaram uma loja no Centro da cidade, no dia 29 de agosto. Eles foram soltos no dia 30. Porém, no dia 14 de setembro, foi necessária uma força-tarefa envolvendo policiais civis de Sertãozinho, Pitangueiras, Barrinha, Jaboticabal e Guariba para recapturar a dupla anteriormente presa em flagrante, para cumprir mandado de prisão expedido pela mesma Justiça que havia determinado que fossem soltos.
Essas questões fizeram com que no meio policial fosse criado o termo “Retrabalho”.
Para o coronel aposentado da PM e consultor especialista em Segurança Pública, Marco Aurélio Gritti, é uma questão que preocupa.
“O ‘retrabalho’ policial e a fragilidade da lei penal, a meu ver, são o gargalho da área de Segurança Pública na atualidade. Dados oficiais de 2022 mostram que a reincidência criminal pode ultrapassar 70% no Estado de SP, e certamente esses números refletem nos índices criminais. Esse ‘retrabalho’ é percebido pelas pessoas. Dependentes químicos que cometem furto/roubo para sustentar o vício em drogas ou receptadores que alimentam os crimes contra o patrimônio (furto/roubo), e que quando presos rapidamente retornam à sociedade e ao cometimento de novos delitos. É um ciclo vicioso que gera impunidade e dificulta com que as forças policiais promovam rápida resposta às vítimas e à sociedade. Penso que temas como liberdade provisória, progressão de regime e saída temporária, para determinados crimes, devem ser discutidos por nossos legisladores, no sentido de que legislação penal atenda aos direitos dos criminosos, iniba novos crimes e proteja as pessoas de bem”, conclui Gritti.
Outro lado: SAP e TJSP se manifestaram por notas.
“A Secretaria da Administração Penitenciária informa que começou no último dia 5 o novo contrato de monitoramento por meio de tornozeleiras eletrônicas. Os novos equipamentos contam com tecnologia mais moderna do que os anteriores que estavam em uso até o último dia 4. A medida não alterou o monitoramento dos indivíduos sob custódia ou a programação para a saída temporária para 12 de setembro. Todos as pessoas que tiveram a determinação da Justiça para o monitoramento eletrônico estão sendo acompanhadas em tempo real pela SAP. Importante salientar que o Poder Judiciário é responsável pelas concessões das saídas temporárias. O benefício é previsto na Lei de Execução Penal e com as datas reguladas, no Estado de São Paulo, conforme portaria DEECRIM 02/2019.”
Sobre a questão dos 1,7 mil presos perigosos sem tornozeleira denunciados pelo Sifuspesp, o TJSP informou necessitar dos dados de cada um dos presos denunciados para verificar. Sobre as saídas temporárias, explicou os critérios:
“Em relação às saídas temporárias, elas estão previstas na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) e cabem apenas para condenados que cumprem pena no regime semiaberto, desde que satisfaçam, cumulativamente, os seguintes requisitos:
– Comportamento adequado;
– Cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se o condenado for primário, e 1/4 se reincidente;
– Que o benefício seja compatível com outras penas;
– Comprovação de endereço idôneo onde permanecerá durante a saída;
– Que disponha de meios de locomoção do presídio ao local de permanência.”