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As cigarras

Quando o mês de outubro vai avançando, o ar se enche do som das cigarras. Mais intenso nas manhãs e começo das noites, sua estridência em várias e diferentes nuances indica que a primavera realmente chegou. Além das cigarras, as ruas, praças e casas de nossa cidade se colorem com o azul do jacarandá mi­moso, o amarelo das sibipirunas e das tipuanas e o vermelho dos flamboyants. Suas folhas caídas estendem tapetes coloridos nas calçadas, mesclando-se com o branco das infindáveis sementes brancas dos ipês. São todas elas árvores bem brasileiras, exceto o flamboyant, nativo da ilha de Madagascar, mas perfeitamente adaptado ao nosso clima.

Existem infinitas espécies de cigarras, espalhadas pelo mundo todo. É um dos poucos insetos que emite som audível, produzido pela vibração de membranas que ficam no abdômen. Só o macho canta, em busca da parceira, tendo a habilidade de adaptar seu canto à necessidade do momento. Fecundada, a fêmea coloca seus ovos na casca de árvores e morre em seguida. Suas ninfas logo que eclodem abrem um paraquedas de fios de seda e caem suavemente com ele até o chão, onde penetram e começam a se alimentar das raízes.

O tempo de permanência no solo varia muito de espécie para espécie. Há uma cigarra norte-americana que permanece até 17 anos sugando a raiz. O tempo de vida de todas é pequeno, cinco semanas, embora seja dos mais longos entre os insetos.

A cigarra está presente no folclore de vários povos, sempre como símbolo de ressurreição. Uma imagem dela era colocada na boca do cadáver para garantir a vida em sua nova dimensão. Conta a lenda que as cigarras eram originalmente humanos, que as Musas transformaram em insetos para que cantassem e dan­çassem para sempre. Não necessitariam de comida e sono.
Na Grécia e Roma antigas, eram usadas como alimento, iguaria apreciada pelos nobres. Servia também como remédio: cozidas, curavam os males da bexiga. Apesar de seu som ser estridente, eram usadas para produzir um remédio para a dor de ouvido.

As lendas sobre elas nasceram no Oriente e depois foram trazidas para a Grécia, sempre transmitidas oralmente. Foram os romanos que as introduziram na escrita. Ésopo foi o primeiro a criar a fábula da cigarra e da formiga, depois reproduzida por La Fontaine. Sabemos que as fábulas são historietas com animais como personagens, dirigidas às crianças e embutem sempre um ensinamento, a moral da história.

Na nossa fábula, a formiga representa a trabalhadora, que dá duro para juntar alimento e acumular reservas para o inverno e a cigarra está sempre cantando, gozando as delícias do hoje, sem se preocupar com o futuro. Chegado o tempo duro do inverno, a ci­garra bate à porta da formiga em busca de abrigo e alimento e é por ela repelida: “Enquanto eu trabalhava e penava, você ficava o tempo todo cantando e sendo imprevidente. Agora, não lhe darei acolhida”.
Talvez os autores citados, quando redigiram a fábula, não sabiam do ciclo de vida de nosso inseto. A cigarra não chega a viver nem até o final do verão, mas suas ninfas sobrevivem ao inverno confortavelmente instaladas na raiz de um vegetal.

Termino esta crônica ao som de várias cigarras que povoam as árvores de meu quintal. A beleza do som permitiu a minha divaga­ção acima. Embora intenso, variado mas curto, marca este período do ano. Mais uma bênção que a Natureza nos oferece gratuitamente.

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