Sempre tive muita curiosidade sobre os velhos tempos vividos por grandes músicos brasileiros. Fico imaginando como tudo nos anos 30 do século passado era tão difícil, mas se vivia muito bem de acordo com o andar da carruagem.
Se tem uma figura das antigas que me fascina por uma série de razões, essa é Ary Barroso, mineiro de Ubá que perdeu os pais com 7 anos, sendo criado pela avó que dava aulas de piano. Desde pequeno se interessou pelas teclas, tornando-se um senhor músico.
Mudou-se para o Rio de Janeiro onde chegou com 40 contos de réis doados pelo tio, e gastou tudo em farra. Queria estudar direito, sonhava ser promotor e chegou a ser, mas deixou seu trabalho, no qual havia ingressado por meio de concurso, para viver exclusivamente da música. Foi uma pedreira, mas Deus escolhe a estrela que vai brilhar e ele foi uma delas.
Até ser descoberto por Walt Disney, gênio dos desenhos americanos, Ary passou por maus bocados, como ele narrou em uma entrevista. Ele confessou: “Eu tinha que comer, pagar onde morava, pagar meus estudos, então descobri que poderia tocar meu piano nas salas de cinema durante a exibição do filme, pois eles não tinham som.”
Contou que assistia aos filmes quando não havia público e criava músicas para as cenas determinadas. Em cenas de amor, Ary tocava aquelas valsas melosas, e nas cenas rápidas de cavalos correndo ele descia a lenha no piano. Quando os filmes começaram a chegar com música, centenas de músicos ficaram desempregados.
Suas composições foram ganhando notoriedade. Ele carregava em suas letras uma brasilidade sem tamanho, tanto que Walt Disney o convidou para compor a trilha sonora de seu filme “Você já foi a Bahia?” Mudou-se para os Estados Unidos, onde direitos autorais são direitos autorais, e quando voltou ao Brasil estava bem de grana e continuava a receber seus direitos.
Ary fez de tudo em rádio quando o veículo botava banca de ser o rei da cocada preta. Teve programa musical onde era rigoroso com quem não soubesse o nome do compositor da música que iria cantar e também foi convidado pra ser narrador de futebol. Lá estava ele, na arquibancada, levando o jogo pra quem estava em casa de um jeito todo dele.
Flamengo doente, não gritava quando o gol era do time adversário, mas quando era do seu Mengão fazia o maior alvoroço. Narrando aos jogos, percebeu que faltava algo para que o ouvinte se sentisse no campo, então criou o repórter de campo e depois criou o comentarista. Suas ideias permanecem até hoje numa partida de futebol.
Ary morava no Leme, na Ladeira do Ary, no Morro Chapéu Mangueira, o Google levou-me até sua casa onde hoje funciona um museu com coisas do compositor. Das muitas histórias que sei do Ary, tem uma que acho genial. Ele fumava muito e também bebia bem, mas bem mesmo. Era louco por uísque, quando estava em casa e sem nada pra fazer, tinha o hábito de ir para o bar ali perto.
Num sábado à tardinha, sua filha levou o namorado para conhecer o seu rabugento e mau humorado pai. A mãe disse: “Ele tá no bar, e você sabe, ele não gosta que a gente vá lá”. A moça disse: “Mãe, chama ele pra mim.” A mãe respondeu meio temerosa: “Eu??!! De jeito nenhum”. A moça, decidida, falou: “Então vou eu”.
Já no bar, Ary tava que tava, e a filha lhe disse: “Pai, vamos lá em casa, trouxe meu namorado para o senhor conhecer”. Ary, de cotovelo no balcão, meio injuriado, até que foi calmo com a filha e disse: “Fala pra ele vir aqui”. A moça encarou o pai e respondeu: “Pai, ele não virá, ele não gosta de bar, não bebe e não fuma”.
Ary subiu nas tamancas, achou tudo aquilo uma desfeita e mandou ver: “Não quero conhecê-lo mesmo, se não bebe e não fuma, não serve pra ser meu genro”. O velho compositor, na verdade, queria um parceiro (rsrsrsrsr)…
Sexta conto mais.