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Artista usa orelhões para traçar mapa sonoro de regiões ribeirinhas

Por Gilberto Amendola

Os orelhões não morreram. A afirmação pode parecer estranha para quem vive na cidade de São Paulo e, praticamente, não se depara mais com esse clássico do mobiliário urbano pelas ruas – ou, quando encontra, ele não está em condições de uso. Segundo dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), os orelhões resistem e ainda somam pouco mais que 168 mil aparelhos espalhados pelo País.

Ao se certificar da existência dos orelhões, a artista Sara Lana, 33 anos, usou os aparelhos que ainda podem ser encontrados em comunidades ribeirinhas, que vivem às margens do Rio São Francisco e Jequitinhonha, para uma reflexão sobre a preservação das histórias e culturas que costuram as águas dos rios.

“Eu já tinha trabalhado com mapas e cartografia. Como está difícil viajar (por conta da pandemia da covid), percorri as comunidades com imagens panorâmicas de satélite, Google Street View e dados da Anatel. Consegui identificar os orelhões com esta pesquisa”, contou Sara

.

Com uma trajetória acadêmica que vai da Matemática à Engenharia Elétrica, Sara é uma artista que tem como base o uso da tecnologia e o som. “Como a ideia era captar o som dos rios e da comunidade, eu entendi que não precisaria estar presente para fazer essa captação. Os orelhões seriam os meus microfones ao longo do curso do rio”, disse.

O projeto inicial era ligar para os orelhões e pedir, para qualquer pessoa que atendesse, que deixasse o fone fora do gancho para que os sons ao redor fossem captados. Sara decidiu, então, ligar para povoados pequenos, sem acesso ao 3G e onde o orelhão tivesse um papel fundamental no cotidiano.

Claro, não demorou para que a artista percebesse que seria necessário adaptar o seu projeto inicial. “Nas primeiras ligações, já entendi que a relação seria outra. Não exatamente sobre o som, mas sobre as pessoas. Falei com cerca de 50 pessoas, muitas delas queriam conversar”, contou.

Sara teve conversas longuíssimas, de mais de uma hora. Ela ligou, por exemplo, para um orelhão que ficava na frente de um bar. Com ele, ouviu as risadas, as conversas descompromissadas e gente reclamando da cerveja esquentando na mesa.

Além disso, foi atendida por muitas crianças. Uma delas atendeu o orelhão mais de uma vez. “Era um garoto de 10 anos. Ele fez uma pessoa que estava montada em um cavalo dar umas duas voltas perto do orelhão para que eu captasse o som”, lembrou. “As crianças levavam galinhas para perto do orelhão, imitavam jacarés…”, completou.

Sara também encontrou pessoas que cuidavam dos orelhões todos os dias. Em alguns povoados, os aparelhos eram o único meio de comunicação com outras cidades. “Então, eu conheci quem limpava o orelhão diariamente e não deixava que ele fosse vandalizado por crianças…”, lembrou.

Com muitas horas de áudio, Sara construiu uma espécie de mapa sonoro, em que os moradores (e os sons ao redor) acabam interagindo uns com os outros. “É como uma experiência de linha cruzada.”

O resultado desta pesquisa está no festival virtual Seres-Rios. O evento, que acontece até 10 de agosto, conta com uma programação que reúne estudos e investigações sobre os rios, a partir de debates, lives, exposição de artes visuais e mostra de filmes.

A programação completa está no Instagram do Festival @seresriosfestival e no site do BDMG Cultural (https://bdmgcultural.mg.gov.br/). O acesso ao festival é gratuito pela plataforma www.seresrios.org.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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