Tribuna Ribeirão
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Arte e ciência no centenário de Paulo Vanzolini 

Perci Guzzo *
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 “No último dia da vida/ Encontrei-me com meus pecados/ Uns maiores, outros menores/ Mas no geral bem pesados/ Do outro lado somente/ A ingratidão que sofri/ O anjo pôs na balança/ E vestido de branco eu subi.” Esses versos compõem a primeira parte de Juízo Final, um samba irônico de Paulo Vanzolini sobe o desamor. 

Encontra-se aberta para a visitação no SESC Ipiranga, São Paulo, a exposição “100 anos de Paulo Vanzolini, o cientista boêmio”. Nela podemos conhecer um brasileiro envolvente, culto, dedicado e criativo que se consagrou como zoólogo, estudioso de répteis e anfíbios, e como compositor, autor de “Ronda” e “Volta por cima”.  “Chorei/ Não procurei esconder, todos viram/ Fingiram/ Pena de mim não precisava/ Ali onde eu chorei, qualquer um chorava/ Dar a volta por cima que eu dei/ Quero ver quem dava”. 

Junto com o geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber e do herpetólogo norte americano Ernest Williams, Vanzolini desenvolveu a “Teoria dos Refúgios” para explicar a mega biodiversidade da Amazônia. Segundo eles, a variação climática ocorrida entre as últimas glaciações provocou a alternância de períodos áridos e úmidos. Nos períodos áridos, a grande floresta se fragmentava, tonando-se ilhas isoladas de umidade em meio a vegetações savânicas, secas. Tal isolamento favorecia a diferenciação de espécies da fauna e da flora em relação à situação anterior. Ao retornar à condição úmida onde a floresta voltava a ser a matriz na paisagem, o conjunto de espécies que se somava era bem maior. 

O cientista não se considerava músico ou compositor, mas sim, boêmio. Além da rotina de seis dias de trabalho na semana à frente do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Vanzolini frequentava bares na noite paulistana. Gostava de cerveja e gostava de observar as pessoas comuns de sua cidade. Essa vivência lhe inspirava a compor, não a biologia. “Saiu de casa de terno tropical/ Camisa creme, lenço e gravata igual/ Jantou e saiu satisfeito/ Pra antes da meia-noite/ Morrer com um tiro no peito” (Cravo branco). 

Paulo gostava bastante de artes plásticas. Para unir o universo da ciência com o das artes, sempre convidava fotógrafos ou pintores em suas excursões à Amazônia. Em uma delas, no Rio Madeira, a bordo do seu Garbe – barco de coletas de espécies de répteis, estava o artista plástico pernambucano José Cláudio da Silva. É a sala mais bonita da exposição! Ilustrações belíssimas de paisagens e espécies amazônicas. 

E não é que sala de anfíbios e répteis expostos em formol, rolou uma bela conversa sobre ciência, arte e política entre um ecólogo, uma bióloga, um geógrafo, um historiador e um dos monitores da exposição? Falamos com orgulho de professores e cientistas que trabalharam junto com Paulo Vanzolini ou que foram seus discípulos, e que nos influenciaram em nossas trajetórias como profissionais e cidadãos brasileiros. 

Aqui em Ribeirão em nossas rodas de samba na casa de amigos, em bares ou na Praça 7 de setembro, sempre cantávamos uma sequência de Vanzolini. O amigo Julinho, companheiro da Ana, adorava tocar e cantar Juízo Final; não aquele do Nelson Cavaquinho. Na segunda parte, na canção de Vanzolini, o arremate vem sem dó: “Agora só toco harpa/ De camisola e sandália/ Espio pra ver lá embaixo/ A quadrilha da fornalha/ Aquela ingrata hoje está/ Trabalhando de salsicha/ Espetatinha no garfo/ Satanás fritando a bicha/ Ô demônio: capricha!”. 

 

* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições 

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